quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 9




Seremos estranhos, numa manhã qualquer,
em que tudo estará longe demais
e pensarmos que nem existimos...
Desistimos...

Inês Dunas: "Quimeras..."
 http://emjeitodeescritaportugal.wordpress.com/2011/08/17/quimeras-de-ines-dunas/



Paralisia, estado ou situação de imobilidade. Pânico,crise recorrente de forte ansiedade ou medo.
Os dois conceitos juntos, tomavam de assalto o corpo esguio e nu de Marisa, atormentando-a e impedindo-a de reagir.
Algures no motor do seu cérebro, as indicações fundamentais, como "corre" ou "reage" não produziam efeito e ali ficava a observar atónita, o corpo de Nicolas a contorcer-se no chão,alvo da sua furia no arremesso de um objecto, cujos cacos, estavam já salpicados de sangue:
-Oh merda, que fui eu fazer?
-Assasína, eu sabia que não podia confiar em ti. - Gemeu Nicolas tentando recuperar o folego.
-Estou passada da cabeça...
-Vais estar, vais! - O tom de cólera acentuava-se na voz de dor dele.
Não, não podia acabar assim. o seu dia de anos, o dia pelo qual esperar eternamente, a altura da maioridade não poderia acabar desta maneira, pensou a jovem.
As lágrimas avolumavam-se e pela sua mente passavam flashes de todo esse dia,e dos dias anteriores. Passavam imagens tambem distorcidas do abuso sistemático das mãos de Nicolas no seu corpo, dos seus dedos esguios dentro de si, da expressão de pânico quando contou a Caio o que ele lhe fizera, dos sorrisos de cumplicidade com a mãe e agora....Agora estava tudo perdido, uma vez mais. Em segundos, ou talvez minutos, o gigante levantar-se-ia e só Deus saberia como ele reagiria.
Olhou assustadamente em volta e pela primeira vez viu o quarto de hotel como uma prisão. Uma jaula, como se ela fosse um animal raro e ele um colecionador ou admirador.
Só lhe apetecia gritar com todas as forças que as suas codas vocais o permitissem e esperar que alguem pudesse vir em seu socorro.
Deteve-se um pouco mais neste ultimo pensamento: Socorro? Estaria ela de facto em perigo de vida? Seria Nicolas realmente capaz de lhe fazer mal?
É certo que até esse momento, ele apenas mostrara uma certa paranoia por ela, apenas tocara o seu corpo, porque isso o excitava e apenas usara-a como alvo das suas ejaculações. Claro que tudo isto já era grave e talvez bastante condenável aos olhos de todo o Mundo, mas a verdade é que ele nunca a torturara ou violara.
Veio-lhe à cabeça a investida nocturna que ela fizera à cama dele, a ponta da sua navalha no pescoço, sim ela já o ameaçara, ela já tentara ser senhora de si e pela primeira vez comandar a sua vida.
Mas que resultado obtivera com isso? Caio sumiu e ela entregou-se a quem jurara evitar, comprometendo a confiança que a sua mãe depositara em si.
Nicolas pousava as mãos no solo, tentando dobrar-se e erguer-se. Dos seus lábios carnudos jorravam impropérios de todo o tamanho e pela face, inúmeros rios de um vermelho vivo escorriam-lhe até morrerem na alcatifa do quarto.
Encostada à parede, sem reacção Marisa acompanhava os seus esforços para se erguer, como se cada minuto durasse uma eternidade. Como se fosse uma condenada à espera da sentença final...
Não, de facto o dia não podia acabar assim. Nao poderia sucumbir às mãos de Nicolas, pois ele estava diferente...Sim, era isso. Ele estava diferente...Durante todo esse dia ele estava diferente, como se lhe escondesse algo. Como se soubesse que inevitávelmente ela nunca poderia escapar das suas mãos.
Subitamente tal ideia provocou-lhe uma angustia enorme, uma explosão de arrogância e prepotencia que ela jamais sentira e no preciso momento em que se preparava para se levantar, ela perdeu a cabeça.
Puxando o pé direito atrás, encolheu os dedos de forma a usar o peito do pé, agora concâvo e arremessou um pontapé na direcção do maxilar de Nicolas.
Mais tarde afirmaria que fora por instinto, para se defender, mas neste momento era por puro prazer.
O impacto foi maior do que ela esperara e descalça, sentiu o peito do pé absorvêr grande parte do impacto e só então se deu conta da força que utilizara.
 Não sentoiu contudo qualquer dôr. A furia tomava agora conta dela. Era como uma barragem que de repente abre as comportas de vez. Uma explosão de raiva e choro descontrolado, a emissão repentina de mais pontapés no corpo do padrasto prostado a seus pés.
Três pontapés se seguiram espalhando-os arbitráriamente pelo corpo dele.
Queria de uma vez por todas acabar com tudo, acabar com esse dia, acabar com as memórias de Nicolas, de Caio, do passado.
Queria renascêr, aprender novamente a sorrir, aprender novamente a ser feliz, a acreditar que um dia aquilo que os outros chamam de amor, a escolheria e se revelaria, para deixar de ser um mero conceito e se tornar a sua via de felicidade.
Sim, mas para isso aquele Belga e o seu sorriso cínico tinham de desaparecer, tinham de se evaporar, tinham de ...Parar!
Hesitou um instante, de pé alçado, no momento em que preparava um ultimo pontapé. Reparou na olhos fechados do padrasto, reparou na ausência de mvimentos dele, na ausência de grunhidos ou suspiros. Nicolas permanecia deitado, de face para a alcatifa, inerte. O alvo da sua fúria repentina não reagia....Meu Deus, será que...o matei?
Ajoelhou-se hesitantemente e aproximou-se tentando certificar-se do seu receio. Atabalhoadamente dobrou-se sobre ele, encostando o ouvido ao seu peito, tentando ouvir as batidas cardíacas. Nada....Oh, merda!
Na sua mente várias soluções, planos incompletos ou ideias vagas cruzavam-se com toda a força, confundindo-a, enervando-a, incapacitando-a de raciocinar convenientemente.
O choro abrupto havia cessado e tentava a todo o custo mantêr a cabeça fria e reagir!
Sem perder tempo, passou a mão pela face ensaguentada do padrasto, esfregou àvidamente algum do sangue dele na sua face e gritou com toda a força que conseguiu. De seguida ergueu-se e dirigiu-se para a porta.
Iria para o corredor assim nua, simularia uma tentativa de violação, acusando o padrasto de conduta criminosa e explicando que se defendera.
Sim, isso era um plano! Tosco, imperfeito e verdadeiramente falso, mas mesmo assim, era um plano.
Apoiando-se nos dois pés, dirigiu-se para a porta, tudo seria perfeito.
No exacto momento em que virou costas ao corpo tombado no chão, este que até então simulara na perfeição o papel de vítima inconsciente, tomado de despeito pela atitude da sua ex-lolita, da sua obra-prima, lançou as mãos aos ternozelos nus da jovem, e emppuxou-os, fazendo-a tombar.
Agindo com toda a revolta dentro de si, disposto a tirar proveito da surpresa de Marisa pela sua reacção, projectou o corpo, levantando-se toscamente e agarrando nos cabelos dela, atirou-a com a ajuda de um soco na testa em direcção à cama.
Apanhada num golpe baixo, com a testa a latejar, levantou-se ate surgir um novo murro no lado esquerdo da face, que quebrou a sua reacção, deixando-se cair pesadamente na cama.
Os seus olhos faíscavam de revolta e furia, não só por ter sido pontapeado como um mero indigente, mas sobretudo pela arrogância da atitude da jovem, que ousara desafiá-lo uma vez mais:
-Lamento que não tenhas trazido a naifa! - Sorriu ele aludindo à faca que sempre a acompanhava.
Ela não respondeu, apalpando a cara, tentando perceber a dimensão dos estragos.
Nicolas perdêra de facto não só a compustura de cavalheiro, como o sangue-frio que sempre aparentara têr.
Tudo resultado de uma sucessão de equívocos e episódios recentes que o atormentavam como fantasmas:
-Onde  foi que eu falhei, Marisa?
-Em tudo!- Respondeu ela assustada.
-Eu dei-te toda a atenção até hoje. Sempre te tratei como uma princesa...
-Pedófilo!
-Por favor Marisa, não te armes em puritana comigo agora. Tudo o que fiz, foi com o teu consentimento e tu bem sabes.
-Não sei o que a minha mãe viu em ti Nicolas. Sinceramente, apregoas que és um homem de bem e não passas de um pervertido...
Ele abriu a mão e desferiu uma chapada, fazendo-a tombar sobre a cama:
-Nunca compreendes-te verdadeiramente o que eu tentei fazer de ti...
-Uma puta, suponho?
-Não...Isso sempre tive em excesso.Tentei fazer-te unica. Uma inspiração para outras mulheres. Tentei te moldar à imagem...
-Não Nicolas, desculpa mas não cola. Tu apenas tentas-te que eu fosse a tua boneca de prazer. Tu apenas pretendes-te que eu fosse um devaneio teu. Mas agora que atinjo a idade de mulher e deixo de ser a jovem insegura, agora não sabes como reagir. Por isso andamos às voltas hoje, como se procurasses apenas me manter ocupada, para te despedires em segredo.
-Vês como já estás a sentir falta da minha atenção. - Sentenciou ele fingindo-se vitimado.
Ela contemplou-o por uns minutos, enquanto ele tentava atabalhoadamente uma ponta de discurso diferente.
De subito, os seus olhos cravaram-se no seu corpo nu e então pela primeira vez nessa noite contemplou a beleza do seu sexo, escondido por um cacho de pelos púbicos rasos, contemplou demoradamente as coxas firmas e sedosas e reparou com um olhar irado na tatuagem que fizera com o nome de Caio e explodiu:
-Caio? É ele o home da tua vida? Oh, e depois sou eu que tenho obcessões.
-Não é uma obcessão, ele ama-me. Nunca conseguirás entender!
-Duvido que ele te ame, sobretudo agora!
-Porquê? agora? - Indagou ela desconfiadamente nervosa.
-Marisa.... - Ele respirou fundo num modo teatral....Caio morreu ontem. despistou-se na Vespa.
-Impossível...é mentira! - As lágrimas ressurgiram nos seus olhos.
-Não,Marisa, não estou!
E então o seu Mundo parou de girar. Então, todas as forças vitais do seu corpo se evaporaram, sentiu o sangue a fugir-lhe da face, sentiu a caça a pesar, sentiu-se a desfalecer. Caio morreu? Então tambem morreria.
Sem ele a vida não tinha sentido!

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