quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 8



Envelhecer é o privilégio de quem vive,
um direito que se adquire, um mel que se saboreia devagar,
um orgulho que nos fica bem!
Ninguém nos rouba o que vivemos, o que sofremos,
O que rimos, o que amámos, o que perdemos…
Cada dia traz as batalhas que terminam e se renovam
no tempo que nos dura.

Inês Dunas : EnvelheSer
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2012/11/envelheser.html



Havia algo de místico e transcendental na primavera que a deixava pensativa e sonhadora. Algo que contudo ela não conseguia explicar ou sequer identificar.Talvez fosse uma acção directa dos primeiros raios de sol ou talvez fosse a sensação de que o mundo de Arkhan era, graças ao empenho do seu marido um mundo melhor e mais seguro e como era bom ,pensou ela  enquanto enfiava a agulha dando forma ao desenho a bordar, aproveitar estes pequenos momentos de dissertação da mente e simultaneamente usando o sol e a sua luz quente como a desculpa perfeita para permanecer junto à janela, absorta no galopar desenfreado de Brunnus a sair pelo enorme portão do castelo. Onde iria ele e porque não se demorara, como habitualmente o fazia, para que os seus olhos tocassem os dele, ainda que tal acontecesse por breves minutos?
 Maleena sem ter estado presente sabia de cor o contexto da reunião em que o general havia participado, pois fora ela a traçar o plano ideal de ataque a Ischtfall. Traçara-o no entanto com a fina convicção que tal plano serviria os seus interesses e não propriamente os interesses do império e em momento algum Bradus contrariou a sua tese. 
Bem vistas as coisas, o plano era perfeito e não tinha como falhar. Maleena até se dera ao luxo de afastar a presença do Senhor da Guerra, o aliado de Orgutt na batalha. Bastariam apenas a presença do imperador e Vill na frente da batalha, com o príncipe Julius na retaguarda a recolher os louros da vitória, não sendo de todo preciso o exército do Norte. Dado, por imposição de Orgutt se impossível Leopoldo II o soberano de Ischtfall continuar no trono, Julius assumiria o comando de Isctfall e ela ficaria a torcer para que o imperador caísse em batalha. Sozinha em Orgutt, num trono que bem conhecia, dona de Arkhan, com o filho distante, na outra ponta de Arkhan a segurar as pontas do seu território e com Brunnus por perto, Maleena seria então feliz.
Então porque o belo general reagira daquele modo? Ele que lhe escrevera uma carta tão cuidada, revelando a sua canseira dos campos de batalha. Ele que logo nas primeiras linhas a trata carinhosamente por "minha rainha", arriscando a prisão e até a tortura se a bendita carta tivesse caído em mãos erradas....Porque agira ele assim? Os homens são tão complicados, pensou ela brincando nervosamente com o pendente do seu colar dourado.
Uma andorinha passou perto de mais da janela onde se encontrava, soltando um gorjear que a devolveu ao presente, arrancando-a dos seus devaneios:
-Algum problema majestade? - Inquiriu Gambinus, fingindo interesse no desenrolar da história do reino que ela lhe contara até aí,
-Ah?...Não, não prezado Mosteiral, apenas uma ligeira dor de cabeça. - Mentiu ela a corar.
-Compreendo. Se estiver cansada, poderemos continuar outro dia. - Gambinus principiou a levantar-se , esforçando-se por esconder o sorriso de alívio.
-De modo algum. É importante para o império ter isso compilado. Perdoe-me foi só uma ligeira indisposição!
-Com certeza majestade. - Proferiu ele a contragosto.
A imperatriz aproximou-se sentando-se calmamente na frente dele e o olhar astuto do homem incidiu nos ombros nus da imperatriz e no generoso decote do seu glamoroso vestido, com sedas de Bruhnen e folhados de Marteel, a terra dos alces perdidos.
Quando tomara a decisão de tentar a sorte em Orgutt, traçara mentalmente um perfil de quem iria encontrar, mas nunca lhe ocorrera o aspecto físico da questão, o que para ele era de sobremaneira penoso, dado que sendo um falso Mosteiral não tinha o mínimo impedimento moral para com a tentação carnal.
O magro sujeito balançava levemente a ponta do pé direito,  numa cadência de impaciência, fingindo escutar atentamente o que quer que a imperatriz lhe estivesse a contar, mas na sua mente apenas ecoavam dois pensamentos Primeiro, como era bonita a ainda jovem imperatriz, com os seus lábios finos bem desenhados, a sua tez pálida e as longas tranças de  cabelo dourado a pender-lhe sobre os ombros e a rodear  parte do decote que tanto o inspirava. O seu outro pensamento prendia-se com os sorrisos que vira recentemente entre o general Brunnus e a imperatriz. Gambinnus tinha um faro apurado para detectar intrigas e quezílias e desde esse momento, sentindo uma ligeira amoralidade no ar, tentou aproximar-ser cada vez mais de Maleena:
-O que pensais sobre o amor, prezado Gambinnus?
A questão formulada repentinamente tivera o condão de despertar o Mosteiral dos seus devaneio e subitamente ele ficou arrependido de não estar a prestar atenção. A que propósito e em que contexto tinha saído aquela questão?  Contudo pousou delicadamente a apara no frasco de tinta e após permanecer uns segundos apreensivo, para forçar a ideia que meditava no que até ai ela tinha falado, avançou tacitamente:
-Oh o amor é um mistério majestade. Não há vida sem amor.- Respondeu ele pouco convictamente.
-Bem sei que não é um tema do vosso afecto. Afinal estais privado de amar...- Atirou a imperatriz, para espanto da aia, que levantara a cabeça na sua direcção.
-Creio majestade que haja confusão nos termos que pretendeis usar- O amor espiritual é universal, diferente do amor carnal. Como deveis calcular, eu sou vítima apenas do primeiro. - Retorquiu ele tentando colocar um ar sábio.
A imperatriz pousou o seu bordado sobre a mesa, levantando-se demoradamente e num tom autoritário, solicitou voltando-se para a aia:
- Podeis trazer-me água? 
-Imediatamente majestade. - Soltou a aia conformada pelo seu abandono prematuro do quarto.
-Como é louco esse sentimento, que nos apanha desprevenidos.... - Desabafou soltando um suspiro fortuito.
A sós com ela e como uma raposa, ele decidiu provocar, para tentar colher um momento de fraqueza:
-Vinte anos casada com uma lenda e sempre com esse coração cheio de amor. Como vos invejo essa determinação! 
-Oh, não vos sabia tão galante! - disfarçou ela- Mas agora sois vós quem confunde os termos, ou melhor dizendo, os sujeitos....
Gambinnus já cheirava a presa, já lhe sentia o sangue e já se preparava para então sem testemunhas recolher a confissão, quando a porta abriu com estrondo, precedendo a entrada de Julius, furiosamente no quarto:
-Julius, que modos são esses? - indagou a imperatriz visivelmente incomodada
-Perdão mãe, mas não suporto mais...
-Que dizeis?
Gambinnus encostara-se o máximo que pode na cadeira de forma a tentar ficar invisível. Confrontações e discussões só resultavam na sua óptica, se ele pudesse usar os argumentos mais tarde em proveito próprio:
-O imperador, o meu próprio pai zomba de mim e do povo de Orgutt. - Bradou o jovem príncipe irado.
-Julius, rogo-vos que tenhais atenção nas palavras...
-Vós haveis me garantido que eu chefiaria o meu próprio exército! As horas de treino, as horas de estudo e afinal...
-Afinal o quê? Estais a recusar participar na batalha de Ischtfall? - Inquiriu ela baralhada.
-Qual batalha, o senhor meu pai, vosso imperador acha que sou demasiado criança para chefiar um exército ou gerir um reino inimigo.
A palidez habitual das faces da imperatriz foi substituído por um vermelho vivo e quase sem voz solicitou a confirmação do que acaba de ouvir:
-Quem pode ter proferido tal disparate? Meu querido, tu e Vill acompanharão o imperador no cerco a Ischtfall é assim que tem de ser feito.
Julius Pretorius avançou obstinadamente até à mãe, ignorando por completo a presença de Gambinnus e encarando-a com um misto de raiva e desprezo, adiantou:
-Como vós sois tonta ao não verdes que o imperador já não pensa pela vossa cabeça. Ou melhor, - Bradou ele com um sorriso cínico-, o imperador agora já não pensa. Eu vos avisei prezada imperatriz, que ele está louco, está apenas a viver o seu sonho e isso vai ser a nossa queda!
Desesperada, sem argumentos e a vislumbrar a figura do pai tão presente no filho, os mesmos gestos, a mesma prepotência, não se conteve e esbofeteou Pretorius:
-Que outros critiquem o vosso pai, até posso entender. Mas que vós, filho herdeiro do trono ignore o legado que ele vos deixa, isso eu não posso admitir.
Gambinnus atónito, aproveitou a confusão e num movimento rápido abandonou a sala, enquanto o jovem se refazia da vergonha:
-Pois eu vos juro, que Orgutt será sempre mais que esse sonho e menos que a vossa arrogância e serei eu a desfazer o mal que foi feito.
Como um pardal, Gambinnus avançou pelo corredor com um sorriso nos lábios. Não conseguira a confissão que esperara, mas conseguira algo bem melhor! Uma oportunidade única, uma mina de ouro, se fosse bem trabalhada. Entrou nos seus aposentos, pouco depois da porta do quarto da imperatriz bater estrondosamente e abriu a janela, recolhendo da gaiola o pombo-correio que tão bem estimara. Não sabia ao certo o que sucederia a seguir, mas sabia que a partir desta tarde, um novo episódio de Arkhan seria escrito.






1 comentário:

  1. Hummmm! Gambinus astuto e voraz, observa a elegância das suas presas qual raposa matreira!

    ResponderEliminar