domingo, 27 de setembro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 9





O relógio do destino é surdo a preces...
Tudo tem o seu tempo, depois chega o depois,
quando o momento fugiu, no presente frio das memórias...

Inês Dunas : "We Had"
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2012/10/we-had.html


A RAPOSA E O LOBO



É ténue a linha que marca a divisão do crescimento num individuo. É igualmente complicado assegurar com exactidão o momento em que um adolescente deixa de ser criança e sobe de patamar, alcançando o estatuto de Homem e a capacidade de se apropriar dos assuntos, como dele se espera um dia. Em Arkhan, regra geral a idade adulta é determinada por uma inspecção corporal feita ao sujeito por médicos habilitados e nos jovens aptos para a guerra. Regra geral é analisado o tamanho do pénis, do corpo ou mesmo as costas das mãos. Nas jovens o problema não se coloca, dado ser indiferente a sua maioridade ou não. Casam por procuração independentemente da idade, desde que o dote seja apreciável.Outros reinos fora de Arkhan, estabelecem para os jovens uma idade decretada pelo rei a partir da qual podem servir o reino no exército ou exercer uma profissão.
Porém no Império de Orgutt, dentro das paredes graníticas do esplendoroso castelo, Julius Pretorius seria sempre aos olhos dos seus súbditos e família, a jovem criança que brincava alegremente pelos amplos corredores com uma espada de madeira.
Mas ele já não era uma criança e pelos vistos só ele o percebia. Nem mesmo o seu mentor de armas lhe queria confiar os seus problemas ou receios, como se nada do que Pretorius pudesse dizer fosse sensato e o seu próprio pai, tratava-o como uma criança e pior ainda, mimada.
Há um momento em suspenso no limbo dos nossos dias. Um mágico momento, de curta duração que aguarda embora sem fazer barulho, o toque de sucesso, Um poeta do império descrevera-o como uma dádiva dos deuses, invisível e perecível. Não se vê e se se não acreditar nele, o momento passa e morre rapidamente.
Acreditando que o seu momento chegara o jovem príncipe avançava pelos corredores frios do castelo, num passo rápido e nervoso, de rosto fechado e alma conspurcada pela raiva que atingia agora níveis estratosféricos. Caminhava como a caldeira dos fornos do castelo, a ferver e se tal fosse possível, seria visível a coluna de fumo negro a sair. Sentia dentro de si, que tinha chegado a hora, o seu momento e que era tempo de fazer cumprir a sua vontade.
Há medida que deixava para trás uma mãe confusa e que as escadas que davam acesso à zona mais afastada do castelo, iam desaparecendo sob os seus pés, Mais rápido era o seu passo. Pretorius não pensava, ou sequer raciocinava, quando Zvar surgiu diante dele, barrando-lhe o caminho:
-Recuai nobre Zvar! Nada tenho a tratar convosco - Bradou o principe exaltado.
-Meu senhor, rogo-vos que vos acalmais. Decerto não pensais enfrentar...
Pretorius afastou-o com brusquidão, e mantendo a mão direita agarrada ao traje do conselheiro ripostou:
-Zvar, os seus conselhos devem ser dados aos cães, não a mim. Nada de bom trouxeram a este império ou à cabeça oca do meu pai.
-Como ousais escarnecer da minha pessoa? Acaso não vos recordais de todos estes anos passados a servir-vos?
Pretorius, baixou a mão esquerda, procurando o cabo do punhal e perante a impassividade dos guardas imperiais que petrificados pela reacção do jovem, não ousaram o mínimo movimento, confusos que estavam com todo aquele, foi para surpresa de todos Gambinnus a intervir. No fundo do corredor, acudindo ao barulho e à cara de pavor da imperatriz que seguia atrás, o Mosteiral bateu furiosamente as palmas por duas vezes e vendo que captara a atenção dos dois homens, aconselhou:
-Caro nobre Zvar, deixai o jovem seguir o seu caminho. Afinal ele é dono e senhor de todos nós, ou virá efectivamente a ser um dia. Este é o seu Castelo e certamente o príncipe não quer mal nenhum ao imperador ou a algum de nós. Não é verdade jovem príncipe?
-Claro que sim. - respondeu o jovem renitente. - Como afirmei não tenho qualquer assunto a tratar com ele. - Sentenciou ele apontando arrogantemente na direcção de Zvar.
-Então avançai e exponha as razões de tal fúria ao senhor seu pai.
Pretorius olhou duas vezes para a face calma do Mosteiral e meditando por uns segundos, largou o cabo do punhal, acertou a gola de Zvar e ia arrancar, quando Gambinnus, vendo que havia dobrado a raiva dele, lançou a provocação ensaiada num timbre de voz de mel:
-Contudo, se ireis visitar um lobo no seu covil, ao menos levai uma peça de carne para o seduzir, ou uma lança para o enfrentar. Escolhei sabiamente o modo, ou o caçador vira presa.
-Não entendo o que dizeis! - Ripostou Pretorius visivelmente baralhado.
-Sois jovem, e tendes alma de guerreiro colocada a favor dos justos. No entanto quando a alma está em fúria a matéria humana perde o foco e sem esse foco, sois como o pavio de uma vela em dia de vento . por mais que lutais as vossas forças acabarão por se extinguir sem sucesso.
Inseguro da sua posição, vendo que a retórica do Mosteiral alcançava com sucesso os seus intentos e tomado por ciume de tal proeza, Zvar, desvalorizou:
-Falais em lobos, velas e teimosia. Falais bem, mas nada dizeis. Creio que o jovem príncipe apenas se encontra confuso. Agradecemos os seus conselhos, mas cuidei que a vossa ordem não se meteria em assuntos do império!
Gambinnus encarou-o friamente e acenou a cabeça negativamente. Zvar tinha agido da pior maneira possível que por sinal era a única forma que o Mosteiral esperava e o resultado foi o desejado. Num rastilho meio apagado, a mínima brisa faz levantar a chama de novo:
-Nunca ouvi algo tão acertado, caro Mosteiral. E vós que vos auto intitulais conselheiro,ficai a saber que se há alguém confuso neste castelo, não serei eu. Só me haveis atrasado e roubado meu tempo. Afastai-vos de vez, ou mandarei os guardas prender-vos por insubordinação!
Erguendo o queixo altivamente o jovem avançou deixando especados atrás de si um conselheiro caído em desconfiança, uma mãe temente da reacção do filho, uma aia perplexa com  toda a situação e um Gambinnus a esfregar as mãos astutamente. Este era na verdade o lago preferido dele...
Na ala oposta , perdido nos seus pensamentos Braddus estava a leste de tudo o que se passava no castelo. Sonhava acordado com os preparativos da sua última campanha e enquanto aguardava que o chamassem para o almoço, entretinha-se a delinear mentalmente os seus desejos. Seria preciso, pensou ele na ingenuidade de quem acreditava ser invencível uma última vitória tão rápida quanto a de Bohren e desta vez ele seguiria comandando o seu próprio exército. Algo que durante anos deixara de fazer e se Ischtfall fosse de facto tão rico como afirmavam, distribuiria o saque por toda a população, encheria o império de luxos e finalmente obteria o reconhecimento de toda a Orgutt.
 A extensão do seu império seria comprável à extensão das Terras de Valhumm e a sua grandeza seria comprável à do Senhor da Guerra. O mundo conhecido seria então dominado pelas duas forças e a paz reinaria por fim. Os detractores do império nada poderiam fazer quando ele entrasse de novo no império como absoluto vencedor. Estes eram de momento os seus planos de vida e este seria o maior legado que deixaria para a posterioridade. Contudo o imperador estava preparado para tudo, excepto para detractores no seio da própria família. Quando Julius Pretorius irrompeu na sua sala, a sua boa disposição de súbdito desvaneceu-se:
-Meu pai, acabei de ser informado que não contais com a minha presença na conquista de Ischtfall. Exijo saber o porquê? - Inquiriu o jovem, com arrogância, esquecendo-se da devida vénia.
-Que dizeis? - Desafiou Braddus numa posse rígida.
-Isso mesmo que haveis ouvido! Sou príncipe de Orgutt, tenho vinte anos e já não sou uma criança. Exijo saber de vossa boca o porquê de ter sido afastado.
O imperador ergueu-se da cadeira no exacto momento em que o conselheiro entrou na sala seguido por dois guardas imperiais:
De passo pesado Braddus aproximou-se de Julius , deteve-se alguns segundos com o olhar suspenso nos olhos fundos e castanhos do príncipe e por fim soltou uma risada sarcástica, num sorriso gargalhar exagerado:
-Pretorius, só o menino para me fazer rir a esta hora. - Zombou o imperador tocando no ponto fraco do jovem ao tratá-lo por menino.- Quereis então saber os meus planos?
-É o mínimo que espero de si! - A raiva crescia cada vez mais no coração do jovem.
-Avivai-me a memória, em quantas batalhas haveis participado?
-Não vejo o que isso possa...
-Não...Dizei-me bravo guerreiro, quantas vidas haveis ceifado com a lâmina da vossa espada?
-Brunnus pode lhe assegurar que sei todos os movimentos...
-E quantas noites haveis dormido ao relento, à chuva, ao sol imenso a aguardar que o cerco fique completo?
-Eu...
O desnorte do jovem parecia agradar ao imperador que não e coibiu de trocar um sorriso de cumplicidade com Zvar e aproximando-se do jovem, pousou-lhe as mãos sobre os ombros, adiantando com um tom paternal:
-Meu filho, sois ainda demasiado jovem para partires em batalha. A guerra é um estado de loucura e acima de tudo sois meu herdeiro. A quem deixarei eu este legado se por azar caíres em batalha?
-Mas meu pai, eu sinto que tenho o dever e a obrigação de assumir a minha parte na gestão do império.
Braddus que até ai tinha mantido uma calma admirável e um sangue-frio admirável, sentiu a última afirmação como uma provocação:
-Gestão do Império? 
-A mãe me confidenciou que tomaria a gestão de Ischtfall a meu cargo e vos serviria de bom grado.
-Nunca! - o imperador explodia em cólera. - Nunca isso sucederia. Só na cabeça da vossa mãe, tão infantil quanto vós!
Pretorius foi colhido de surpresa pela súbita reacção intempestiva do progenitor:
-Era assim algo tão descabido?
-Descabido e irreal! Como vos disse este é o vosso império e este é o vosso futuro! Aqui é o vosso lugar. 
O jovem aproximou-se da janela, virando energicamente as costas ao imperador. O Mosteiral tinha razão. Enfrentara o lobo, no seu covil sem qualquer plano e fora humilhado, agora não lhe restava outra saída senão ripostar:
-Que futuro, meu pai? O povo passa fome, grande parte do nosso exército é composto por estrangeiros dos reinos conquistados por vós  e mercenários sem qualquer lealdade ao império! .- O jovem permaneceu de costas como que evitando encarar o imperador.- E agora pretende entrar em guerra com um reino distante, na outra ponta de Arkhan, deixando o império à deriva.
Braddus, sentava-se pesadamente na cadeira, como se tivesse sido esbofeteado e por uns segundos segurou a respiração:
-Fedelho ingrato! - Explodiu ele- Como ousais questionar o meu comando? Não vos dais conta que todo o sacrifício do povo e do reino é por Orgutt e por vós? 
-Não meu pai, não é! Esse sacrifício que falais é apenas para o povo. Vós estais demasiado extasiados com o vosso sonho, que reafirmo é apenas vosso, para prestardes atenção ao vosso próprio povo.
-Que Sabeis vós sobre o povo? - Braddus aproximava-se perigosamente de Pretorius.
-Ao contrário de vós, eu vou à cidade e falo com o povo. Convivo com eles e posso adiantar que...
-Chega! - Numa imensa fúria Braddus estalara a palma da mão direita no rosto do jovem.- Guardas, queiram acompanhar esta criança aos seus aposentos, onde ficará até ordem em contrário.
-Como vos atreveis? exactamente como vos digo, vós julgais que ainda sou uma criança!
-Sou vosso imperador! Se não acatardes as minhas ordens, mandarei que vos prendam por insubordinação.
Encostado atrás da porta, Gambinnus estava feliz. Era a hora da raposa a chegar.

1 comentário:

  1. Gambinus sempre matreiro a galgar terreno, a colocar a astucia estrategicamente no campo de uma batalha que sabe que vencerá! Adoro este vilão! Beijocas em ti!

    ResponderEliminar