sábado, 3 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 11


O silencio despiu-nos
num momento da transgressão da palavra,
a razão fechou os olhos e humedeceu os lábios
num gemido abafado pela raiva.

InÊs Dunas : Transgressão
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2015/09/transgressao.html


Ad perpetuam rei memoriam



Bruxaria, maldita bruxaria que sem avisar o colhia de surpresa, despedaçando a sua crença, partindo em cacos o seu sonho e desfazendo a sua alma. De conquistador a foco ténue de imperador, de soberano da quase totalidade de Arkhan a sombra de pai imperfeito e errante.
Agora, que finalmente tinha os seus inimigos às suas mãos, um império vasto e um sonho concretizado, era colocado em causa por um fedelho birrento e mimado. Ah, pensou ele amargurado junto á janela em arco perfeito, como tudo podia ter sido tão diferente. Ah, como Arkhan poderia ter-se tornado  colossal, um imenso império e como enriqueciam as suas gentes e como seria feliz o seu descendente...Qual o quê! - atirou ele por entre os dentes num desabafo quase inaudível. O príncipe perfeito, era no todo imperfeito e a culpa contudo não era só dele.
Fizera, ao longo do crescimento do filho, o que qualquer pai teria feito. Por ele, abandonara a participação nas últimas conquistas do império de forma a ficar mais "presente", para que Pretorius pudesse crescer com uma referência forte de paternidade e exemplo de homem. Evidentemente, murmurou enquanto pousava os cotovelos no parapeito, que mesmo estando no império não poderia acompanhar o jovem durante todo o dia e havia coisas que não lhe poderia ensinar, como manejar uma espada por exemplo, pois corria o risco de em pouco tempo o aluno suplantar um mal preparado mestre. Mas mesmo assim, só um homem como ele, com a consciência das suas limitações concordaria no ensinamento ao filho da arte da espada, dado pelo seu general favorito. Também Brunnus outrora tivera o olhar de um lobo esfaimado de sangue.
Três anos, - gritou ele para a sala vazia- Três anos que prepara cuidadosamente o cerco a Ischtfall. Que mandara pagar a espiões, que ordenara à sua esposa a compilação de relatórios precisos sobre o que poderiam enfrentar. Mapas e mapas feitos e desfeitos, posições inimigas minuciosamente descritas. Relatórios sobre os hipotéticos perigos que surgiriam pelo caminho. A construção de maiores catapultas, o aumento exagerado de efectivos no seu exército. Até a introdução de besteiros, para o combate corpo a corpo, depois de avançarem pelas ameias dos grossos muros do reino. Pelos deuses, três anos sem quase dormir, só sonhando com as riquezas e o apregoado luxo da corte de Leopoldo II e agora quando já se sentia a cavalo a entrar no reino que restava em Arkhan, a bruxaria, a maldita bruxaria surgia espontâneamente no coração e na mente de quem mais estimava.
Braddus, estava visivelmente agastado tanto psicologicamente como fisicamente e subitamente parecera envelhecer dez anos. Tudo o que fizera nesses vinte anos, corria o sério risco de se tornar a curto prazo um caos demencial.Tanto esforço, tanta dedicação e afinal, a carne da sua carne, o sangue do seu sangue, rejeitava com arrogância tamanho legado.
Onde teria ele errado? E se ele tivesse levado o filho para a batalha, e regressasse a Orgutt sem ele, caído ferido ou morto no campo de baralha, será que Maleena o perdoaria?
Braddus avançou cambaleante até à porta de serviço, e após a abrir de rompante gritou: "Almoço", tornando-a a fechar num acesso de desespero. Teria de pensar no que fazer a Pretorius e não o conseguiria fazer de barriga vazia. Pausadamente serviu-se de nova taça de vinho. Pois que bebesse e se possível que ficasse tão bêbado que pudesse morrer ali mesmo, mas pelo menos não veria o fim do seu sonho a se concretizar. 
O imperador só tinha um dia para resolver a questão de Pretorius e mais dois dias de preparação e arrancaria por fim em direcção a Ischtfall. Caso contrário, sairia de Orgutt no pico das monções  adiaria mais um ano e sujeitar-se-ia a ser derrotado pela chuva.
Zvar, como habitualmente entrou na sala sem solicitar qualquer pedido formal e em passo curto aproximou-se do imperador:
-Meu senhor, receio ter algo para vos mostrar!
-Pelos Deuses Zvar. Deixai-me sofrer a minha angústia em silêncio. Posso ter parecido forte, mas na verdade estou despedaçado!-Confidenciou o imperador já bastante toldado pelo efeito do vinho.
-Meu senhor, eu lamento toda esta situação. Acredite que sim, mas tenho realmente algo para lhe mostrar.
O imperador ao denotar uma genuína ponta de vergonha na voz do seu conselheiro, assentiu sentando-se à mesa:
-Bom, se tiver que ser...Sou todo ouvidos! -Aconselhou o imperador, cuidando tratar-se de mais uma crise de Pretorius.
O conselheiro aproximou-se e certificando-se de que só se encontravam os dois homens na pequena sala, levou a mão esquerda ao interior do  hábito, retirando cuidadosamente umas folhas completamente escritas a tinta. Sem proferir qualquer palavra, Zvar pousou as folhas na frente do imperador, recuou alguns passos e aguardou cabisbaixo e em silêncio que o imperador procedesse à sua leitura.
De início Braddus não pareceu dar muita atenção aos papeis amarelos e bastante dobrados, depois leu as primeiras linhas, limpou da barba o resto de vinho e retomou a leitura agora num modo compulsivo. Após ler e  evitando olhar Zvar de frente, indagou cansado e desiludido:
-Quem mais sabe disto?
-Que eu tenha conhecimento, apenas vós!
-Onde estavam?
-No quarto da imperatriz. Numa gaveta! - Respondeu o confidente ligeiramente incomodado.
-Ousastes mexer nas coisas da vossa soberana? - Indagou ele desconfiado.
-Não poderia ser de outra forma, A aia confidenciou em segredo à cozinheira chefe do castelo que a imperatriz tinha recebido uma correspondência secreta que a deixou feliz.
-Ah sim? - Indagou o imperador já furioso.
-Como não tenho intimidade com a aia, mantive-me atento e aproveitei a oportunidade.
Braddus afastou-se na cadeira, como se de certa forma receasse ser contaminado pelas folhas de papel, permanecendo um segundos calado e visivelmente agastado. Depois, percebendo que desta vez não estava a representar qualquer papel e incomodado por Zvar ter tido conhecimento de algo tão penoso para a sua honra e para a estabilidade de Orgut, desvalorizou embora sem grande sucesso:
-Quando somos jovens, julgamos que o mundo nos pertence. Que podemos tudo e que só a nossa vontade importa...Eu também já fui assim!
-Compreendo majestade. - Anuiu o conselheiro pouco convencido da verdade da retórica.
Vendo que não estava a ser bem sucedido e na ânsia de se refazer do choque, como se ele pretendesse uma explicação Universal para o sucedido, optou por uma nova abordagem, mais de acordo com o seu espírito agreste:
-Compreende? Vai-me perdoar caro Zvar, mas duvido que compreenda alguma coisa neste castelo. Eu pela minha parte desisto de compreender ou entender o que quer que seja. 
-A gravidade desta situação...
-Não existe!
-Perdão majestade?
-Isso mesmo que ouvis! Brunnus tem estado afastado da batalha, do sangue do inimigo e ferveu em pouca água. Verdade seja dita, - continuou ele num tom mais brando, a imperatriz não é só a mulher mais bela do império mas de toda a Arkhan.
-Senhor, mas ele tem a ousadia de declarar o seu amor por ela.  Uma traição destas..
-Acaso os vistes juntos numa cama?
-Quê? - Zvar estava atónitamente confuso.
-Se por acaso, haveis visto os seios de Maleena na boca de Brunnus, ou se haveis presenciado os dois a suarem como animais em qualquer lugar escondido.
-De todo meu senhor. Se o tivesse visto eu..
-Se o tivesses presenciado a minha reacção agora seria diferente.
-Senhor, - Zvar elevava a voz escandalizado- Estamos a falar de um general do império. O mesmo general que queria a comandar Ischtfall. O seu homem de confiança!
-Efectivamente.
-Mas ainda vamos a tempo de alterar os planos e mandar prender Brunnus por traição...
-E enforcar a imperatriz.
-Que dizeis? - Zvar estava perfeitamente atónito com a sucessão de disparates que saíam da boca do imperador.
O imperador ergueu-se da mesa e encarou severamente o pequeno sujeito:
- Não ia sugerir a forca?
-Não majestade.
-Então qual seria o castigo para...bom, para esta crise de volúpia e desejo?
O conselheiro percebeu então que cometera um erro gravíssimo. Ter mostrado as cartas e reiterando ser o único a ter conhecimento delas não serviu para atirar a imperatriz em descrédito, mas antes para o colocar em perigo. Obviamente que já tinha conhecimento das cartas há já bastante tempo e na verdade havia sido a aia, que partilhou durante uns tempos a sua cama às escondidas a lhe contar. Astuto, Zvar fez-se de desinteressado e deixou o assunto morrer, mesmo após a relação secreta entre os dois acabar,ele se esforçou para não mostrar o mais leve interesse no local onde estariam essas cartas. Sabia contudo que só poderiam estar no quarto de descanso da imperatriz, onde jamais Braddus entraria, era só esperar a oportunidade certa. Com o volte-face dos planos de Ischtfall e vendo que o príncipe já não partiria para a batalha Zvar assustou-se. Afinal acabara de pagar mais de cem soberanos de ouro  a mercenários para atentarem contra a vida do príncipe e se possível do imperador. Com eles caídos em batalha Maleena teria duas opções, ou mandaria Zvar assunir Ischtfall ou mandaria Brunnus. Como imperatriz não se separaria de Brunnus ele iria de livre vontade. Mas o rei mudou as regras de jogo a meio. O príncipe ficava em Orgutt e seria sempre ele a assumir Ischtfall, ou então a imperatriz assumiria com Brunnus a seu lado.
-Não o poderei dizer senhor. Bem sabeis que não trato de matéria penal.
-Claro que não sabeis nobre Zvar. E no entanto, em minutos descobre as cartas com base num palpite.
-Golpe de sorte senhor - Disse Zvar a medo.
-Correcto. Pergunto-me que outros segredos tereis em vossa posse?
Os dois homens fitaram-se momentaneamente:
-Não creio estar a entender!
-Ora, bem sabeis que estive bastante tempo ausente do império...Dizei-me, que outros segredos guardais? - No seu hálito o cheiro a álcool era intenso.
-Senhor, se tivesse qualquer segredo, contar-lhe-ia imediatamente.
-Perfeito. Então nada mais tem para me contar?
-Não, meu senhor.
-Nem para me aconselhar acerca do castigo à imperatriz?
-Não meu senhor.
O imperador Braddus soltou um riso forte e tuido aconteceu rápidamente. A sua mão direita alcançou o punhal que pendia sobre o seu cinto, firmando-o furiosamente no corpo do conselheiro, forçando este a dobrar-se . Apanhado de surpresa, Zvar ainda tentou reagirempurrando ligeiramente com o ombro o seu opositor, mas Braddus rapidamente voltou a espetar o seu punhal um palmo abaixo do coração, Sem perder tempo, o imperador colocou a arma na mão de Zvar, fazendo um corte no seu próprio braço e gritou:
-Guardas ! Guardas! A mim, acudei! -  Deixou tombar a mão de Zvar deu mais dois passos e ajoelhou-se aguardando a entrada dos guardas.
-Senhor? - Bradou o primeiro guarda a entrar na sala.
-Ali, ele tentou me matar...O cão do inferno, traiçoeiro e velhaco, tentou me matar. Pensou que eu estava bêbado, disse_me que seria fácil de mais...
-Pelos Deuses, nobre Zvar um traidor?
-Livrai-me dele. Assegurem-se que está morto.
-Enterraremos esse traidor. - Gritou aflito o chefe da guarda imperial.
-Não! Cortem-no aos bocados e alimentem os porcos.
A porta de serviço abriu-se, dando entrada a travessa de carne fumegante perante o ar de estupefacto de criadas e guardas, o imperador apanhou as cartas guardando-as no seu bolso lateral, prendeu o guardanapo no colarinho, apontou para o braço ensanguentado e ordenou:
-Alguém que me trate desta ferida e me traga mais vinho! - Ordenou Braddus limpando atabalhoadamente o sangue à roupa que trazia.
Com Zvar morto, o segredo era só dele e depois do almoço veria o que faria em relação a isso. O dia ameaçava ainda se tornar mais complicado, só poderia ser bruxaria certamente.

1 comentário:

  1. Enaaaaaaaaaaaaaaa que twist maravilhoso!!! Zvar (em bom português) lixou-se!!!
    E agora que fará o imerador com esta informação? Estará Maleena em perigo?
    :P
    Vou já espreitar o 12!!!
    :))

    Inês Dunas

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