sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 17


Hoje somos chuva fugaz no deserto,
entre temperaturas escabrosas que matam tudo…
Pingos d’esperança a desenhar rosas molhadas em areias desidratadas
e que secam logo a seguir enquanto se ouvem ruir os sonhos…

Inês Dunas : "Chuva no deserto"
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2015/06/chuva-no-deserto.html


A CONVOCATÓRIA

As nuvens cercavam as torres encimadas do imponente castelo, símbolo máximo de Orgutt, num abraço pesaroso como a anunciar o fim dos dias de calmaria e racionalismo.
Agora reina o espectro da loucura, num toque de insanidade mefistotélico, que parece obstinado em atingir a cúpula governante e a fina flor do império. Uma erva daninha que rapidamente ganha o seu espaço entre o solo rochoso e cresce vigorosamente por entre as fendas das pedras,numa teimosia vil.
Braddus passara grande parte da tarde absorto nos seus receios e medos. Nas suas divagações e acima de tudo no desalento de ver o seu império desmoronar. A sucessão de acontecimentos inesperados tomava-lhe o ânimo e as forças de tentar virar a roda da fortuna de novo a seu favor, iam desaparecendo entre suspiros de frustração mal ensaiados e bem audíveis. Não era contudo ainda um quadro de esgotamento ou outra doença clínica do foro mental, era acima de tudo e tão só um estado de espírito de quem por muito que fizesse, não era compreendido.
O imperador atravessava agora uma fonte de problemas para resolver e tempo era algo que não dispunha. Estava a dois dias de iniciar o seu ataque a Ischtfall e arrumar de vez com Leopoldo II, o que o equiparia ao seu aliado o Senhor da Guerra e o manteria lá no norte, na fronteira de Arkhan. Com as fronteiras seguras a Norte, reatava laços com o reino aliado do Sul e Arkhan era definitivamente sua. No seio do império todavia, o seu filho e pretendente ao trono resolvera colocar em causa o seu governo e levantar o véu da discórdia. Braddus reconhecia agora que reagira de maneira mais infantil que o próprio filho, mas já era tarde para remediar. No entanto, aqueles em quem mais confiava , nomeadamente na esposa e no seu fiel general, resolveram ter um caso talvez de cariz sexual, correndo o risco de lançar para a lama o bom nome da família imperial e simultâneamente provocar a desconfiança no seu exército. Por último, tivera de abdicar da presença e da sempre útil visão das coisas do seu conselheiro imperial Zvar, por si assassinado de forma a estancar a vergonha do seu império.
Tinham sido de facto horas de profunda meditação, trancando-se na sala e por fim chegara a várias conclusões. Resolveria os problemas um de cada vez, mas seria célere e eficaz na conclusão de cada um deles, tal como o fora com Zvar. Remorsos eram sentimentos há muito perdidos nos campos de batalha e usaria o mesmo método dentro do castelo e dentro do seio familiar. Sem contemplações e sem hesitações.
De pronto, ergueu-se inspirou o ar bafiento do quarto e berrou pelos guardas, que agora se mantinham quase colados à porta:
-Senhor?
-Mandai lacaios informar a senhora minha esposa que solicito a sua presença, bem como a da aia nesta sala dentro de duas horas.
-Certamente majestade!
Ainda o guarda alto não tinha completado a sua vénia quando dois sentinelas surgiram esbaforidos diante do imperador:
-Senhor, encontramos a ave!
-Qual ave? - Indagou o imperador sem paciência.
-A ave correio que sua excelência solicitou...
-Ah perfeito. Alguma mensagem na pata?
-Efectivamente senhor. - Sem rodeios o sentinela de bigode farto entregou a tira de pergaminho enrolada.
-Nesse caso, - Adiantou o imperador não se dirigindo a ninguém em particular - informai o Mosteiral que solicito a sua presença o quanto antes nesta mesma sala.
-Perfeitamente senhor. - Responderam os quatro homens quase em coro.
Assim que a porta se fechou, Braddus sorriu para o pequeno papel e para a lareira:
-Exemplar e eficiente...Pois bem, teria mesmo de ser assim.

Na outra ponta do castelo, mais concretamente no pequeno quarto, onde horas antes lhe haviam furtado as cartas de amor trocadas com o general Brunnus, a imperatriz chorava convulsivamente, com a cabeça pousada no colo de Sallete e a cara escondida sob o vestido azul da jovem aia:
-Majestade, de certo que que não será grave. - Tentava acalmar a aia.
-Como não? Acaso não haveis visto a face de raiva e desprezo de Braddus? 
-Sim majestade. Mas o motivo poderá ser outro.
-Não. Este não é o homem com quem casei e partilhei o leito. - A imperatriz fungou ao de leve, sem contudo se atrever a olhar para a jovem- 
-As pessoas mudam e no entanto, se me é permitido dizer...
-Oh Salette, bem sabeis que aqui tudo lhe é permitido.
-Não imaginava, nem nos meus mais tenebrosos pesadelos que o imperador pudesse matar Zvar.
-Esperemos que certamente tenha sido o castigo por invadir a minha privacidade e me colocar em perigo perante o imperador.
A imperatriz aguardou uns segundos em silêncio, como que calculando as palavras, depois com um sorriso tímido, desculpou-se:
-Oh como eu sou egoísta! Não me recordei que vós haveis tido uma paixoneta por Zvar....
-Na verdade majestade, foi bem mais que isso. Mas também ele mudou. - Sentenciou a jovem empalidecendo.
-Como os homens mudam mudam com o poder....
A aia concordou afirmativamente com a cabeça e de certa forma ficou aliviada por ver que a imperatriz já se recompunha da crise de choro:
-E Brunnus? Onde andará ele?
-Certamente não muito longe, majestade.
-Espero que tenha caído em si e fugido de Orgutt. Não viveria em paz, mesmo em cativeiro, sabendo-o morto. -Maleena esboçou uma expressão de terror ante o pensamento que tinha tido.
O som seco na pequena porta do quarto humedeceu-as:
-Majestade?
-Sabeis que não gosto de ser incomodada aqui! 
-Bem sei majestade. Mas trago um recado urgente do imperador.
A jovem aia abriu a porta, após a imperatriz se sentar de lado na cadeira, de forma a esconder os olhos vermelhos de lágrimas:
-Dizei! - Ordenou ela a custo.
-Sua majestade, o imperador Braddus solicita a vossa presença na sala de refeição, dentro de sensivelmente duas horas.
-Pois bem. Informai que irei
-Perdão majestade. Mas a ordem era para as duas...
As duas mulheres trocaram olhares cúmplices entre elas e com um aceno de cabeça a imperatriz confirmou a mensagem recebida.
A porta fechou-se devagar e repentinamente um enorme silêncio de consternação caiu sobre as duas, que se abraçaram temendo o pior.


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