sábado, 16 de julho de 2016

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 5








Não são os Séculos que nos formam 
numa narrativa de irremediável ausência
É a divergente equação de uma incerteza 
caminhando contra o esquecimento.

Filipe Campos Melo : Ausência 

http://conceptuual.blogspot.pt/2016/02/a.html






SE CAIR QUE CAIA EM GRANDE!!



Na grande sala oval o rei Leopoldo II recebia a contragosto os espiões do reino, por ele  mandados em missão ultra-secreta ao reino de Orgutt a fim de perceber se o que ouvira de viajantes e mercadores era verdade. Constava-se que sem contar com os efectivos em guerra nas fronteiras do reino de Orgutt, existia para lá das paredes desse reino granítico uma enorme concentração de soldados, reunidos em batalhões de reserva e prontos a aguardar ordens para um ataque eminente a cidades fortificadas a Este de Arkhan.
Leopoldo II sabia que Braddus estava em guerra com cidades vizinhas e que pretendia aumentar as fronteiras do seu reino e isso até este momento em nada chocava o soberano de Ischtfall, mais preocupado com as carências do seu povo do que com  arrufos do sempre intratável Braddus. Conquanto tais lutas se mantivessem a Oeste de Arkhan, longe dos seu reino e dos seus aliados.
Outro motivo de descanso até então era a existência de um pacto, quase na forma de aliança de não agressão entre os dois Reinos e Leopoldo II duvidava que o soberano do reino rival pretendesse esquecer essa aliança. 
Ischtfall não era um colosso em termos bélicos, não possuía o mesmo número de homens que Braddus tivesse, mas acreditava que as cidades fronteiriças de Urtt e Borren se juntassem a ele na defesa de Arkhan e isso traria uma mais-valia à poderosa cavalaria de Ischtfall. A cavalaria era, aliada à grande muralha, o único motivo de orgulho do seu povo e de um modo geral eram bem vistos pelo povo, talvez pelo Élan dado pelos nobres do reino, com a sua reputação intocável junto da plebe e com a admiração do rei.
Os archotes queimavam lentamente enchendo a sala de fumo e Leopoldo II odiava o cheiro dos archotes, usando de quando em vez, um leque de seda numa tentativa de renovar o ar e simultaneamente de se manter entretido quando os dois começassem as ínfimas descrições do que viram e do que ouviram. O rei não deveria perder tempo com tais formalidades, mas Rutter, o seu conselheiro que tinha sido o mentor do envio dos espiões fez questão que o soberano estivesse presente, arrancando-o assim dos prazeres da carne que as Mocidas proporcionariam:
-Meu senhor, tal como haveis solicitado estivemos em Orgutt e constatamos que os boatos são verdade. - Principiou a narrar o alto espião
-Continuai...
-Segundo apuramos há um grosso de cerca de duzentos homens, infantaria e arqueiros sobretudo, que vieram das zonas geladas e estão alojados no reino.
-Das zonas geladas? Não são homens do senhor da guerra?
-Não meu senhor, - interrompeu prontamente o segundo espião de bigode farto - Não há qualquer homem do senhor da guerra presente.
Leopoldo II acenou veementemente o leque num aparente nervosismo latente para logo de seguida resumir aliviado:
-Perfeito. Se o Senhor da Guerra não está envolvido então o que estamos só dirá respeito a Braddus e seus vizinhos. Nunca  Braddus atacaria Arkhan inteira sem o auxílio dos poderosos Montfallen, o exército invencível de Xanti.
-Mas senhor e o contingente militar que se reúne em Orgutt?
Leopoldo II mexeu levemente as abas do seu pesado manto, coçando ligeiramente a testa com o dedo indicador, onde residia o anel dourado que em tempos estivera nos dedos do pai:
-Ora, - Desvalorizou ele - Todos sabemos que Braddus é um exagerado e que aproveita todos os momentos para mostrar uma grandeza que nunca terá. É só fogo de vista!
Sentado na Ala Norte da Sala 
Rutter levantou-se num sobressalto, esquecendo o protocolo real e erguendo os braços numa súplica:
-Mas majestade e se a conquista de Arkhan tiver lugar? Não seria melhor convocar os Estados Gerais?
- Conselheiro, sabeis bem o quanto eu estimo vossos cuidados e conselhos preciosos, mas neste momento há todo um reino a tratar e a zelar. Não me parece que um aprovisionamento de homens seja motivo de preocupação para o soberano deste glorioso Reino.
-Mas senhor, - Cortou impacientemente o espião alto- Não contamos tudo ainda.
-Como assim?
O espião de bigode farto e calvo, retirou de dentro do seu alforge  documentos enrolados, presos com fitas vermelhas, com a éfige de Braddus desenhada nas bordas e solenemente depositou na mão do soberano :
-Que é isto?
-Documentos confidenciais de Orgutt. Não os consultamos obviamente, mas a pessoa que nos forneceu assegurou-nos serem mapas de batalha de Braddus.
As mãos de Leopoldo II tremeram levemente ao desatar o fino nó e em choque viu o mapa de Arkha perfeitamente desenhado, viu Borren e Samerti cercadas por três XXX com o número de guerra 17 e em pânico viu Ischtfall desenhado diante de muitos X que circundavam o reino até às encostas da Montanha.
Penosamente entregou o documento ao seu conselheiro e quase sem voz,  reconheceu:
-O louco vai tentar atacar Ischtfall....Não estamos preparados!
-Os Nobres, Majestade. Precisamos dos Nobres.
O soberano ergueu-se rapidamente berrando a plenos pulmões para os dois homens:
-Ide avisar Borren e Samerti, mas fazei-o sem alertar a população daqui. Não vamos já criar pânico.
-Senhor, Convocarei  uma Reunião Extraordinária da Corte, onde emitiremos um pedido de auxílio a Borren e Samerti. Convocaremos todos os homens que pudermos para a batalha  e estaremos prontos.
Respirando fundo e num modo nervoso, enquanto absorvia uma dose elevada de rapé nas narinas, Leopoldo II, olhou de soslaio para um dos espiões e inquiriu sofregamente:
-Dizei-me, viajaram de cavalo de Orgutt até aqui sem paragens?
-Correcto majestade.
-Nem para dormir?
-Bom, - Atalhou o espião alto - paramos duas vezes para dormir e descansar os cavalos. Mas não o fizemos em nenhuma cidade.
-E quanto tempo demoraram?
-Quatro dias e três noites majestade.
-Então um exército que se dirija para aqui, partindo do pressuposto de que  ainda está, por esta altura em Orgutt, demorará cerca de sete a oito dias e isto se vierem direitos para aqui.
-E Borren majestade demorará apenas dois dias a juntar-se a nós! - Atalhou o Conselheiro.
-Perfeito! - Lançou o soberano  como a tentar convencer-se- Eles que venham que estaremos preparados.
Uns passos apressados surgiram coom o devido eco na sala, precedidos do ruído da pesada porta de madeira a abrir, dando lugar a um guarda desnorteado:
-Majestade...Majestade, chegaram novas de Borren! - Gritou o homem no seu elmo apertado.
-De Borren?
-Um homem e um jovem solicitam serem recebidos pelo rei de Ischtfall com a maior brevidade possível.
-Não esperamos ninguém de Borren!
-Majestade, permite que me apresente, - Interrompeu o homem loiro sem prestar o mínimo respeito pelo protocolo- O meu nome é Jong Rasmen, capitão das guardas da Torre do Planalto de Borren.
O Conselheiro, antevendo uma eminente desgraça, encostou-se o mais que pode às cortinas que decoravam o trono, enquanto que Leopoldo II se sentava como se tivesse subitamente perdido as forças. Só os espiões se mantinham nas suas posições originais:
-Dizei-me que fazeis em Ischtfall!
-Borren caiu senhor. O planalto foi tomado praticamente sem esforço pelas forças de Orgutt!
-Mas como isso é possível, se eles estavam ainda...
-O General Vill, a comandar o Décimo Sétimo de cavalaria. Muitos homens a pé, arqueiros e catapultas. Borren caiu em algumas horas e no entanto demos tudo o que pudemos, para honrar o compromisso assumido com vosso reino - Mentiu Rasmen.
O Soberano olhou com descrédito para os seus espiões:
-Não me haveis falado de catapultas! - Gritou ele.
-Majestade, não vimos qualquer catapulta. Nem tão pouco vimos cavalaria que desse em número para atacar Borren.
-Malditos incompetentes, haveis sido ludibriados!
-De que falais majestade? - Inquiriu apreensivamente Rasmen.
-Acabei de ser notificado que permanece em Orgutt , e esta informação tem quatro dias, um contingente considerável de homens.
-Não foram os mesmos. Estes estiveram presentes nos combates fronteiriços desde o início. Logo isso significa  que continuarão em combate e que se tiverem baixas serão reforçados por esse contingente.
-Ou então dirigem-se a Samerti. -Concluiu o soberano consultando o pergaminho do campo de batalha.
-Samerti? Não, não pode cair. É o nosso único aliado neste momento. - Observou o Conselheiro de voz chorosa.
-É a única explicação possível. Avançam para Samerti enquanto o contingente de Orgutt avançará, provavelmente sob o comando de Braddus para aqui, onde se reunirá com o exército vencedor, vindo do Norte.
-E então Ischtfall ficará cercado e vulnerável!- Atalhou o capitão do Planalto
Leopoldo II cruzou as mãos atrás das costas, e principiou a andar em curtos círculos, na diante dos presentes, como se escolhesse as melhores palavras, para proferir de sua justiça:
-Não será convocada qualquer audiência. Convocar-se-à todos os homens disponíveis e serão nomeados dois Generais para a defesa de Ischtfall.
O Conselheiro, sedento de vontade de agradar aos nobre, empertigou-se:
-Escolherei os melhores, os mais sábios e os convocarei ainda hoje à vossa presença.
-Aceitais o cargo de General da nossa curta infantaria?
O convite do soberano apanhou o capitão de Borren desprevenido. A última coisa que Jong queria era ter de enfrentar uma vez mais o exército de Vill. Mas como poderia dizer ao rei que ele não poderia ser a pessoa certa para tal cargo. Se ao menos o soberano soubesse que ele tinha fugido no último combate:
-Majestade que fazeis? - Explodiu o Conselheiro. - Este homem não é de Ischtfall, não conhece o nosso exército e se calhar nem capitão é! Não poderemos entregar a defesa do nosso reino a quem não conhecemos...isso é absurdo!
-E Entregaremos a quem? Quando foi a última vez que um dos nossos capitães ou General enfrentou uma situação de combate? Que experiência têm os nossos nobres?
-Mas majestade, bem sabeis que precisais dos nobres para...
-No dia em que Ischtfall precisar de nobres, o reino cairá. pelo menos este capitão enfrentou o inimigo, sabe como combater. Dizei-me, aceitais?
Jong Rasmen afastou as pontas do cabelo loiros dos olhos, pousou a mão sobre a coronha do sabre e muito lentamente, como se tivesse a boca cheia de areia, respondeu:
-Meu senhor, rei de Ischtfall, agradeço com muita honra tal convite, no entanto recordai que terei de chefiar homens que não me conhecem e que dificilmente me obedecerão. Creio que o seu Conselheiro tenha razão.
-Acaso sois covarde? - Provocava Leopoldo II
Rasmen procurou uma desculpa rápida ou quando muito uma forma de contornar a pergunta, quando reparou no jovem Mensull a espreitar à porta:
-Pelos deuses não sou covarde, mas o que me pedis é surreal!
-Eu sei. por isso acredito que resulte.
Derrotado por toda a loucura do soberano o Conselheiro ainda tentou remediar o mal:
- Então majestade, tratarei de escolher o segundo General.
-O segundo General já está escolhido. 
-Já está? - Inquiriu um confuso Conselheiro.
-Obviamente que sim. O tempo escoa e temos de nos preparar. Jamais Ischtfall cairá no meu reinado!
De passos decididos Leopoldo II retirou-se apressadamente da grande sala Oval, deixando os presentes apreensivos.
Leopoldo II iria jogar uma cartada estratégica demasiado alta. Mais do que nunca Ischtfall iria necessitar de novos parceiros e só restava o Povo da Montanha.


2 comentários:

  1. a tua imaginação é fulgurante

    um abraço amigo

    ResponderEliminar
  2. E eu desejosa que o povo da montanha entre na equação para equilibrar as coisas!!! Ah como eu gosto do povo da Montanha!! :))))))))))

    ResponderEliminar