quinta-feira, 8 de junho de 2017

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 10



No fim seremos cinzas sem identidade e sem historia
que já não fazem sentido algum,
nem guardam a memória do que fomos...

Inês Dunas : "Escombros no Luar dos dias"
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2011/06/escombros-no-luar-dos-dias.html





O ENCONTRO



O exército seguia o seu rumo, galgando o cascalho empedernido ,lambido pela chuva que havia caído há já alguns dias, indiferentes ao frio matinal que os cobria como um manto apertado.
Dois lugares atrás da liderança do contingente de cavalaria, o general Nussur procurava no rosto do seu líder qualquer sinal de desconforto ou hesitação. Ischtfall ficava agora a apenas dois dias de viagem e o rude general temia que o desconforto de um provável ataque directo ao reino de Leopoldo II, toldasse a sempre clarividente sapiência que tinha catapultado o nome de Senhor da Guerra por toda a Arkhan e no entanto ele cavalgava obstinadamente sem revelar o mais pequeno sinal de contradição ou hesitação.
Pela primeira vez desde que combatia às ordens de Atunis Marruk , apelidado de o Senhor da Guerra, o general mais medalhado de Xanti não sabia nada sobre a missão, apenas que caminhariam para Ischtfall o mais rápido possível, mas o que realmente confundia o general era a ausência de infantaria e de meios para derrubar ou escalar as paredes do castelo. Se o objectivo seria atacar o reino de Leopoldo II certamente que o Senhor da Guerra não esperaria entrar pelo portão sem qualquer resitência.
Acenando negativamente com a cabeça, tocou com os calcanhares no cavalo, acelerando a marcha de forma a ficar ao lado do seu imperador e numa atitude pouco reflectida, ergueu a voz de forma a se ouvir perfeitamente no meio do ruído do galope:
-O que nos espera em Ischtfall?
O Senhor da Guerra, com a capa negra a esvoaçar sobre as suas costas, apertou mais as mãos no cabedal das rédeas e evitando olhar o seu general, atirou num timbre resoluto:
-Nada nos espera...E pretendo que seja sempre assim.
-E mesmo assim vamos? -Inquiriu perdendo as formalidades.
-Com receio? - Sondou o Imperador.
-Não conheço essa palavra....
-Óptimo. Dúvidas? 
-Algumas senhor, - continuou Nussur recuperando agora o aspecto formal- Não deveríamos rumar a Orgutt?
-Com sorte chegaremos a Ischtfall antes do exército de Bradden.
Aturdido o galope do general afrouxou, ficando momentaneamente para trás. Como raio poderiam eles sozinhos fazerem frente a Leopoldo II e porque não se juntariam a Orgutt seus aliados?
O gigante Nussur afagou a barba sempre longa e mal aparada e num berro de raiva, soltou com firmeza o chicote no dorso do cavalo. Fosse como fosse, independentemente do que ele pensava, ele o seguiria para qualquer sítio, até ao fim do mundo se ele assim o mandasse e se porventura entrassem em guerra, ele protegeria a rectaguarda do seu imperador como sempre o fizera. Mas tinha havido uma altura em que qualquer passo que o Imperador pensasse em dar, não o daria sem primeiro o consultar e agora magoava-o de certa forma ser tratado como os demais. E a culpa, pensou o gigante general, era toda de Borren. Aconselhara e chateara o seu imperador para travar aliança com a cidade fortificada vital para o mundo conhecido e muro central entre os dois maiores locais de Arkhan O império de Orgutt e o reino de Ischtfall e nunca o Imperador lhe deu ouvidos e agora acabara de saber que a cidade fortificada sucumbira ao exército inimigo. Só por si o facto merecia reflexão e não uma caminhada desenfreada rumo a uma muralha pejada de nervosos arqueiros.
Assim que avistou a copa das altas árvores que rodeavam o local escolhido para o derradeiro encontro, o imperador abrandou o trote, deixando o animal respirar longamente:
-Ficaremos aqui por uma hora. Os cavalos precisam de descansar e este sol só os irá desgastar. Os homens que fiquem de sobreaviso.
O general acatou a ordem, transmitindo-a de imediato aos seus homens, preparando o perímetro de segurança:
-Devemos redobrar a segurança? - Interrogou o General desconfiado do local de paragem.
-Não. - Atirou o imperador com um sorriso aberto- Eles já nos viram há algum tempo! 
Erguendo-se na sua sela, assobiou e minutos depois os espiões de Xanti surgiram dos seus esconderijos, onde aguardavam pelo exército do Senhor da Guerra há já umas horas.
Os Smurds eram talvez a face mais mortal, mais traiçoeira e insana de Xanti. Exímios guerreiros, hábeis no corpo a corpo e na arte de camuflagem, eram os olhos do Senhor da Guerra em todo o mundo conhecido. Rezam as lendas que entravam amiúde no quarto do rei de Orgutt, durante a noite e que vasculhavam todo o Ischtfall sem ninguém se aperceber da sua presença. Em Arkhan eram chamados de fantasmas assassinos, pois se recebiam a ordem de matar, usariam os seus mais variados venenos ou fariam a morte parecer sempre acidental.
Não havia segredo à face do Mundo Conhecido que estes homens escolhidos a dedo por Grutt, o chefe desta seita nómada não soubesse. Eram pagos pelo Senhor da Guerra a peso de ouro e mesmo assim o Imperador não confiava neles e eram em geral mal aceites e temidos por todas as hierarquias dos vários exércitos. Nunca sabiam se quando os avistavam, seria pela última vez.
-Está ficando lento, meu Imperador! - Brincou Grutt com um à-vontade desconcertante.
-Ou previdente. Depende da circunstância do momento...- Respondeu num tom frio e cortante, indiferente à provocação.
-Não se esqueça com quem está a falar! - Bradou irado Nussur.
-Não tenho tempo para cães de guarda ofendidos.- retorquiu o líder Smurd
O gigante levou instintivamente a mão à espada, irritado por ser insultado à frente dos seus homens, mas o Senhor da Guerra foi mais rápido e perspicaz, desembainhando energicamente a espada, encostando a ponta na garganta do chefe Smurd, com um olhar desafiador:
-Calma general, a língua de Grutt é apenas grande, como as víboras das montanhas, mas inconsequente como uma chuvada de verão.
Os restantes Smurds olhavam apreensivos para a figura do seu líder, esperando um sinal, embora soubessem perfeitamente que estavam rodeados pelo regimento de cavalaria do Senhor da Guerra.
Grutt afastou peremptoriamente a lamina do seu pescoço  e afastando as pontas do enorme cabelo sujo de terra para trás dos ombros, retorquiu num tom desafiador:
-Afinal, sua excelência meu caro imperador, os seus reflexos ainda são interessantes. Mas não vamos prolongar esta confraternização sempre emotiva, com joguinhos de criança. 
-Finalmente algum bom senso, embora note ironia no seu timbre de voz. -Resmungou o gigante General, impaciente com a atitude dominadora presente no suo sujeito.
-Contai-me as novas. - Inquiriu o Imperador descendo do potente cavalo.
-Toda a Arkhan está a ferro e fogo. O exército de Orgutt avança neste momento para Ischtfall que está aterrorizado após a queda de Borren.
- Isso já sabia... - Cortou o imperador, impaciente.
-Mas é tudo fogo de vista!
-Como assim?
-Neste momento a verdadeira guerra está a acontecer em Orgutt...
-Contai-me sem rodeios. - Ordenou o Senhor da Guerra, com um novo brilho no olhar
-O principezinho está a querer crescer, deve ser o fim da puberdade suponho.
-Isso também não é novo para mim, - Adiantou sem querer revelar que essas informações lhe chegavam por Gambinus.
-Mas a rainha...Oh, pelos Deuses, a rainha está concentrada no seu exército. Num jovem oficial para ser mas exacto.
O brilho no olhar voltou, iluminando o rosto do imperador:
-Isso são boas notícias...O rei desconfia?
-Não. O rei está a se manipulado por um homem da religião.
O Senhor da Guerra riu ante a constatação do sujeito, e raspando ligeiramente o tacão da bota no solo, confidenciou em tom de desafio:
-Uma verdade vos digo abertamente, se Rhurr na sua infinita bondade me conceder a sabedoria necessária, seremos os senhores de Arkhan muito em breve e Ischtfall e Orgutt não terão outro remédio senão prestarem vassalagem ao Senhor da Guerra e a Xanti.
Os presentes olharam admiradamente para o imperador e não tendo, nenhum deles a audácia necessária para confrontarem as ideias do Senhor da Guerra, voltaram aos planos para os próximos dias na perspectiva  de um hipotético cerco a Ischtfall.
No fundo,  o imperador acreditava que o futuro de Arkhan começaria necessariamente às portas do reino de Leopoldo II e ele queria ter lugar de primeira fila.






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