segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 11




O meu espelho é um semblante carregado,
envelhecido e endurecido pelos ombros do passado.
Desespero e não espero mais nada...
Inspiro o monóxido de carbono e abandono a dor...

Inês Dunas : O sorriso de Mona Lisa


AS RÉDEAS DO DESTINO



A fina orvalhada da manhã não dissipara o cheiro de madeira queimada que cobria o reino de Ischtfall, nem tão pouco amolecera a ira dos nobres, envoltos em planos aparentemente hábeis para recuperarem um poder que já havia sido da classe até então dominante.
Leopoldo II sem razão aparente, no entender dos nobres retirara abruptamente privilégios instituídos no tempo do seu pai e de momento os corredores frios do palácio transpiravam intrigas e gritos abafados.
Lord Palácius de fino bigode e passo incerto calcorreava o pesado soalho de mármore de mão à cintura balançando o sabre de honra enquanto aguardava a presença do rei. Os nobres tinham sido tido uma reunião no dia anterior e no entanto a serenidade da noite aconselhara o Lord a agir por sua conta. De certa forma Palacius habituara-se à vida no palácio e não possuindo muitas terras assalariadas, nem tendo meios de cobrar impostos, necessitava cada vez mais das boas graças do rei e do seu dízimo para governar uma casa com duas crianças. Por outro lado, desde novo que sempre convivera com Latvéria, chegando inclusivamente a a desejar por esposa mas até esse desejo lhe fora tirado pelo actual rei. 
Palacius afagou o queixo como se de súbito alguém lhe tivesse confidenciado algo e vendo bem as coisas, sobretudo pelo seu prisma, ele tinha todas as razões para o rei lhe dar ouvidos, sobretudo agora que a rainha padecia de uma enfermidade estranha que a aprisionava longe do olhar dos nobres. Ou seria o rei que a aprisionaria nos seus aposentos, precisamente para evitar que ela intercedesse junto deles?
Estava o delgado Lord preso a tais considerações, quando o lacaio desceu apressadamente as escadas, batendo os tacões com toda a força:
-Desculpai a demora Lord Palacius, mas fui informado que o rei se encontra ausente.
-Ausente? Como assim, ausente? desde quando o rei se ausenta do palácio sem a sua guarda pessoal?
-Não lhe sei dizer senhor. - O lacaio disfarçava o constrangimento da informação como podia, pois era sabedor que o Lord era igualmente o chefe da guarda pessoal do rei.
-Pois é bom que saiba. Exijo uma resposta satisfatória!
-Senhor, não poderei satisfazer a sua questão pois sou apenas um lacaio. Talvez O Lord Rutter possa responder a essa questão, mas no entanto, também ele se encontra ausente.
O Lord explodiu numa fúria com laivos de arrogância:
-Estamos em guerra, Arkhan está a arder por todo lado, cidades-fortificadas outrora bem defendidas caiem como flocos de neve, jazendo em ruínas e transformando-se em sepulturas de bons homens a céu aberto e o rei anda a passear?
-Cuidai as vossas palavras Lord Palacius!
O nobre voltou-se para a direcção da escadaria onde a rainha Latvéria surgia rodeada de aias e para surpresa do Lord com uma posse altiva, que o nobre certamente não esperaria:
-Majestade, desculpai-me o descontrolo, mas bem sabeis...
-Certamente que não ireis proferir qualquer diálogo comigo na frente de um lacaio...
-Perdão Majestade...- Lord Palacius estava visivelmente constrangido e envergonhado aguardando pacientemente que a rainha descesse e se aproximasse da sua presença. 
A rainha aguardou que o Lord a saudasse respeitosamente com um encosto de  lábios na sua mão pálida e fria e sem voltar o olhar, ordenou que a acompanhasse onde caminhou com a pequena e feliz nova aia Miriam do seu lado até à sala real, onde após aguardar que a porta se fechasse, foi directa ao assunto:
-Lord Palacius, fui informada que os nobres andam nervosos...
O Lord observou momentaneamente a presença de Miriam na sala e sarcasticamente observou:
-Majestade, não estamos ainda a sós...
-Efectivamente Lord Palacius, creio que estamos. De hoje em diante esta jovem é minha conselheira e simultaneamente uma testemunha do que falo e ouço. 
-Cuidei que essa era a tarefa de Lord Ritter...
-Por Arkhan, não tomeis por certo as escolhas do meu marido. O rei terá os seus eu tenho os meus e não lhe permito, caro Lord tal suposição sobre as minhas funções neste palácio. Estamos entendidos?
-Majestade... - Principiou a resposta um homem nervoso, confuso pelo brilho radiante de uma jóia que a rainha trazia na mão.
-Calai-vos, deixai-me acabar...Agora pergunto que ofensa terá feito o vosso rei para tão avidamente conspirarem nas suas costas?
-Minha rainha, certamente não estareis ao corrente das recentes decisões do nosso rei. Acaso sabei que ele pretende prescindir do nosso apoio?
Latvéria esboçou um sorriso sarcástico, pois de certa forma esperava que os seus anos de cativeiro depressivo iriam ser tidos em conta por Palacius. Foram anos de sombra e desespero  e de perda de razão. Anos que lhe pareceram séculos e agora que o "olho de Matuka", a jóia dada por Miriam brilhava tão intensamente na sua mão, sabia que estava preparada para o regresso ao trono e às lides do palácio.
-Aquilo que sei, - principiou a rainha num tom de improviso- é que durante anos e anos, este foi o vosso tecto, a vossa segunda casa, o vosso tabuleiro de "jogo de intrigas". Aquilo que efectivamente eu sei é que não haverá em Arkhan cavaleiros mais dedicados, mais afectivos aos valores de Ischtfall que os nossos nobres.
-Agradeço as vossas crenças minha rainha.
-Mas também sei sois inexperientes em batalha, que não tendes treinado ou sequer participado em acções militares. Se os meus anos recentes foram como bem sabeis de cativeiro, também os vossos foram desperdiçados, em comida e lazer.
Palacius pareceu ofendido, fazendo intenção de protestar grotescamente, mas a rainha continuou a sua exposição, indiferente:
-Por outro lado, sabeis do poderio ofensivo dos nossos inimigos, sabeis dos combates que têm tido e sabeis do rigoroso treino a que são diariamente submetidos. Eu sei isso e não tenho saído dos meus aposentos. Portanto, se o vosso rei acha que a presença de um estranho que já defrontou este mesmo inimigo é válida para a defesa do reino, também vós deveis fazer esse juízo de valor.
O delgado sujeito curvado, com o joelho direito assente num modo formal na pedra fria da sala, apanhado de surpresa pela petulância da rainha, ficou momentaneamente sem palavras. Não a sabia tão bem informada mas tinha a certeza que se recuasse agora poderia deitar tudo a perder:
-Majestade, com todo o respeito, continuo a não acreditar que o rei prefira entregar o comando a quem não conhece, substituindo a nossa, como bem dizeis, lealdade e efectividade como se fossemos meros soldados.
A rainha estendeu a mão ao cavaleiro para que se erguesse e numa estudada atitude mais dócil, ripostou em jeito de confidência:
-Por vezes caro Palacius esqueceis que também eu provenho da nobreza querida a Ischtfall. Bem sabeis que jamais eu permitiria que a vossa classe fosse afectada, sendo disso prova a aliança de meu casamento, ao vos proporcionar todo o conforto que tão bem mereceis.
-Sim Majestade, mas ...
-No entanto hoje temo ter feito um  mau negócio. O ócio e os luxos amoleceram o vosso espírito e temo que vós não vos tenhais apercebido disso mesmo. 
-Que sugeris então Majestade? - Inquiriu o nervoso Lord
-Exactamente o que vos foi dito pelo nosso bom Ritter. Que acateis esta decisão do rei e então, e isso não vos foi contado, sereis a segunda vaga, a vaga de honra, plenamente vitoriosos em caso de sucesso e a última resistência em caso de derrota.
-Derrota Majestade?
-Não sou bruxa, sou a vossa rainha e no entanto seria demasiado ingénua se acreditasse só num resultado. Mas uma coisa eu e o vosso rei poderemos garanti. Até que a ultima pedra do reino caia, até que nada mais reste deste reino iremos sempre lutar por ele, unidos e valorosos como é nosso timbre.
-Compreendo minha rainha...
-Mas quem recuar nesta hora, quem ousar colocar em causa tudo aquilo que aqui foi construído e voltar costas a este grande reino, então será ele também esquecido pelo reino. 
O Lord abriu os olhos numa atitude de grande espanto ante a ameaça velada da rainha e percebeu por fim, que antes a submissão que a expulsão do reino:
A rainha aproximou-se do seu velho amigo de infância, beijou-o de leve na testa e piscando o olho, despediu-se:
-Ide agora valoroso Palacius dar o recado a meu tio, pois bem sei que ele não tem a coragem de me enfrentar como vós o fizestes. Transmiti aos vossos iguais, que se quiserem fazer parte do maior capítulo da existência do reino, acatarão o que o rei lhes propõe, sendo as valorosas segundas linhas ou podem hoje mesmo abandonar o palácio o Ischtfall.
Lord Palacius mirou pensativamente as palmas das suas mãos, sem calos de espada e unhas bem tratadas e desferiu um contra-golpe à altura de um nobre:
-Transmitirei isso mesmo Majestade. Mas rogo-vos que atentai bem nas minhas palavras. Leopoldo II está a tomar connosco a mesma posição que seu pai Leopoldo I tomou com o Povo da Montanha ao os expulsar um dia do reino. Um dia não será só Orgutt a tirar o sono ao nosso bom rei.
Latvéria mostrando um poder de encaixe abismal, retorquiu friamente como se falasse para si mesma em voz alta:
-Quem vos dera poderem ser equiparados a tal povo!
Lord Palacius sentindo o sangue a ferver nas veias apressou-se a se retirar da sala mordendo o lábio inferior acusando mais um insulto à sua classe e não se inibindo de bater a porta furiosamente atrás de si.
Em pé, a rainha respirou fundo, caminhou até à porta, rodando a pesada chave na fechadura de modo a ficar a sós com Miriam e beijando a pequena aia na boca, sentou-se na pesada cadeira, convidando a jovem aia que se despia, para ocupar o seu colo:
-Muito bem Majestade!







1 comentário:

  1. Gotta love Latvéria!!! As tuas personagens femininas emanam sempre poder, força e sensualidade, adoro!
    :))))

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