segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 12





Somos tão pouco e tão arrogantes,
amantes intolerantes de passos indecisos
a trocar promessas falsas por esgares de sorrisos...

Inês Dunas: Cadunt altis de montibus umbrae



A TRIBO


Os dois homens seguiam penosamente a trote  pela encosta da montanha, com os cascos dos cavalos a em notória dificuldade diante do solo incerto, coberto de pequenas pedras e detritos naturais que o desaparecimento de neve deixou depositados no solo.
À medida que a inclinação natural do aglomerado montanhoso se tornava mais acentuado, as montadas resfolegavam e teimavam em abrandar cada vez mais o passo.
Rasmen não percebia o que o rei de Ischtfall poderia querer deste terreno ou de quem aqui vivia e muito menos percebia o que raio faziam os dois ali, em tal cavalgada, sujeitos a caírem da montada e partir o pescoço.Desde que chegara a Ischtfall que não tivera descanso. Havia fugido a sete pés da derrota de Borren, sua cidade natal, ciente de poder ser tratado como um refugiado de guerra e ter direito a um tecto seguro para ele e para a criança que o acompanhava. Pensava que sendo um dos raros sobreviventes da violência de Orgutt, seria tratado com a misericórdia própria de um doente em estado terminal, mas ao invés Leopoldo II na sua máxima loucura não só o tomou por bravo lutador, como o havia nomeado General  da defesa do reino, precisamente com o intuito de defrontar aqueles de quem ele fugira semanas dias atrás.
O vento acossava agora os dois cavaleiros e os cavalos deram o último sinal de que não iriam subir mais. Resignado, Leopoldo II desceu da sua montada aconselhando por gestos a que Rasmen se juntasse a ele:
-Meu rei, confesso ainda estar confuso quanto ao objectivo da nossa presença nesta maldita montanha. - Confessou o cavaleiro lutando com o estribo e a espora de forma a conseguir soltar com sucesso o pé direito.
Leopoldo II observou a luta do seu companheiro e o seu gesto atabalhoado para perceber imediatamente que o forasteiro não era um cavaleiro. A dúvida que permanecia no seu espírito era se ele de facto seria um homem  de armas, ou o rei se equivocara na sua avaliação:
-Entendo a vossa ressalva general, mas asseguro-lhe que a nossa presença aqui, neste mísero local não só é vital para a continuidade do reino como pessoalmente me poderá ajudar a resolver certas questões que ainda tenho para com este povo.
-Mas não se vê ninguém! Já andamos cerca de duas milhas e nada se passa nesta encosta. Acaso estaremos perdidos?
O rei sorriu olhando em volta demoradamente:
-Como poderemos nos perder no acesso a uma montanha? Não meu jovem general, asseguro-lhe porém que deveis manter os olhos bem abertos. O facto de não os vermos não significa que eles não nos vejam!
Rasmen sorriu fingindo ter entendido o que o seu soberano lhe confessava soltando-se finalmente da sela e amarrando o cavalo a um meio tronco cortado, talvez por qualquer raio:
-E agora senhor?
-Agora vamos a pé.
-Mas até onde?
-Até sermos parados....
Rasmen abanou a cabeça e principiou a seguir o seu soberano, consciente de que as botas que ambos calçavam em nada ajudaria a que a mesma subida fosse rápida e não dolorosa. Infelizmente, como ele constataria metros adiante a dor nos pés seria o mínimo dos seus receios.
Leopoldo II centrava o seu foco visual nos penedos a descoberto, atento a sombras ou vultos rápidos. Pelas suas contas e segundo o que sabia estavam quase a alcançar o limite livre da Montanha. Depois disso estariam oficialmente em território da Tribo e uma vez que a sua presença não tinha sido previamente anunciada nem tão pouco era esperada poderiam ser tomados por invasores e neste momento nada daria mais prazer ao líder da Tribo que ter Leopoldo II rei de Ischtfall preso e cativo à sua guarda.
Alguns passos mais e por fim surgiu o sinal. A caveira com uma flecha no crânio e o aviso em dialecto Tribal a anunciar a morte automática de quem ousasse atravessar esse limite.
Rasmen viu pela primeira vez o rosto apreensivo do seu soberano desde que iniciaram a subida da Montanha e com os pés extremamente doridos, calculando já estar perto do seu local de destino e temendo que o rei se assustasse e voltassem para trás, ergueu a espada, empunhando-a numa tentativa de inspirar o soberano.
Leopoldo II vendo a atitude do seu general, baixou automaticamente a mão de Rasmen esperando que a mesma atitude não tivesse repercussões nos anfitriões , contudo tinha sido tarde.
Segundos depois várias flechas cruzaram o ar, caindo a centímetros dos pés dos dois cavaleiros.
Nervoso o rei ergueu as mãos bradando a plenos pulmões, " sou vosso amigo, quero dialogar!" num dialecto montanhês perfeito, que surpreendeu por completo o seu atordoado parceiro:
-Larga a espada idiota. Queres que nos matem?
-Mas meu senhor...
-Larga e ajoelha-te!
Prontamente o general deixou cair a espada, apressando-se a ajoelhar-se de cabeça baixa, ciente de que colocara o seu soberano em perigo.
De pronto surgiram vários elementos da Tribo até aí escondidos entre as rochas, armados com flechas, inclusivamente alguns surgiram mesmo nas costas dos dois homens confirmando as suspeitas do rei de que eram seguidos mal iniciaram a escalada da Montanha.
-Somos de Ischtfall e pretendemos falar com o vosso líder. - Anunciou Leopoldo II ocultando propositadamente a sua identidade.
-Para quê? - Inquiriu o atlético guerreiro 
-Porque o rei de Ischtfall assim o deseja!
Uma gargalhada geral estalou bem audível nos presentes:
-E desde quando os desejos de tal criatura interessam à Tribo?
Rasmen ia pronunciar algo, quando a mão de Leopoldo II, agarrou o braço do intrépido general, fazendo-o recuar na sua intenção inicial:
-Desde que a paz e segurança da Montanha esteja em risco!
O guerreiro olhou demoradamente o céu, como que digerindo a informação dada para calmamente voltar a sua atenção para Leopoldo II, cuspindo para o solo enquanto retirava uma pequena adaga da bainha:
-Explica-te melhor forasteiro!
-Como disse, só falarei directamente com o vosso líder. - Sentenciou o rei de Ischtfall ignorando a lâmina brilhante da adaga.
-Não está em posição de exigir seja o que for e a minha adaga aqui está nervosa com a vossa voz... Que me dizem, corto-lhe a garganta?
Os guerreiros presentes manifestaram-se ruidosamente e Rasmen começou perceber que iria ser difícil saírem dali vivos a menos que o rei tivesse um plano:
-Na verdade- Interrompeu Leopoldo II - Até estou numa boa posição para exigir isso mesmo.
-Que dizeis? - Inquiriu o agora irado guerreiro
-Apenas constato o óbvio - A serenidade na voz do soberano desarmava completamente o medo que inundava o seu companheiro - Sois guerreiros da Tribo, logo crentes e tementes a Matuka o vosso deus de todas as coisas boas da natureza e Matuka proíbe ferozmente o uso de violência contra outras espécies, sobretudo quando as mesmas estão desarmadas e de joelhos.Por outro lado, segundo creio ainda não entramos oficialmente no terreno sagrado da Tribo. - Resumiu Leopoldo II apontando a  placa.
-Pareceis saber muitas coisas da nossa Tribo. Demasiadas coisas para um simples escudeiro! - Inquiriu um guerreiro empunhando uma lança.
-Nunca vos disse ser um simples escudeiro!
-Então apresentai-vos- Desafiou o guerreiro da lança.
-Não aqui e apenas ao vosso líder. 
O guerreiro da lança aproximou-se e fazendo um sinal para que se erguessem apresentou-se:
-O meu nome é Saemon, sou o Líder supremo da Tribo e este valente guerreiro de adaga na mão é Arnacles meu braço direito. Venha Majestade queira nos acompanhar até ao nosso acampamento.
-Sabeis quem eu sou. 
-Não seria um bom líder se não conhecesse os restantes líderes de Arkhan. Peço desculpa se os meus homens o desconhecem, mas foi a vontade de vosso pai que originou as nossas diferenças.
O soberano anuiu com um gesto de cabeça e principiou a acompanhar a comitiva sendo seguido pelo seu general quando este foi barrado por Saemon:
-Ele nós sabemos quem é, já quanto a vós não o sabemos.
-O nome dele é Rasmen e é meu general. Solicito que o deixeis tomar parte nesta reunião.
O líder aproximou-se do general de Ischtfall olhando-o demoradamente nos olhos, analisando friamente o aspecto do sujeito e proferiu secamente:
-Rasmen não é um nome de Ischtfall e este homem cheira a medo. Não vejo porque insiste na sua presença. A mim cheira a espião de Orgutt ou Borren.
O general franziu o sobrolho e manteve-se calado, permitindo ao soberano nova intercepção:
-Homens de caça e e de montanha com olfacto bem apurado. Estais certo quanto à naturalidade do sujeito, mas errado na sua função. Ele de facto é natural de Borren...
-Eu sabia. Um espião! Haveis mentido a Saemon. - Acusou Arnacles 
-Nunca disse que ele era de Ischtfall. Apresentei-o como meu general e é o que de facto ele é. Borren caiu aos pés de Orgutt!
Saemon acusou a gravidade da informação, estacando abruptamente diante do soberano:
-Borren caiu?
-Assim como Samerti e todas as cidades a Leste...
-Por Matuka, começo a entender a vossa preocupação. Segui-me!
Todos caminharam apressadamente em direcção à Citadell, tida como o coração da Montanha de onde outrora saíam os minerais que Ischtfall requisitava e onde hoje é o centro de maior densidade populacional da Montanha.
Rasmen observava incrédulo a precariedade das habitações, os rostos de fome que lhe surgiam e lhes seguiam os passos. A Citadell não era mais que um aglomerado de casebres de pedra emparelhadas, cujas frestas eram tapadas com barro tosco, com várias fogueiras apagadas ao redor e onde crianças e jovens sujos e aparentemente mal nutridos  brincavam ao redor de porcos pequenos, festejando a presença de poças de lama que o degelo provocara.
-Desculpai as nossas crianças, mas o fim da neve significa alimento para eles. - Explicou Arnacles adivinhando o esgar de nojo presente na face de Rasmen.
-E no entanto elas são felizes - Retorquiu o recém nomeado general de Ischtfall
-Claro, não têm mais nada. - Soltou Arnacles sorrindo.
Rasmen estava siderado no seu âmago por tais criaturas. Sempre ouvira a descrição deste povo como Bárbaro, sem qualquer interesse cultural e sem modo de vida civilizado e agora a plenos olhos, constatava isso mesmo. Como poderia o seu soberano recorrer a um povo assim, sobretudo contra o glorioso e invencível exército de Orgutt?
-Como podem viver assim? - Inquiriu abertamente Rasmen
-Matuka nos ensina a amar todas as coisas e todos os seres como se fossem nossa família. O respeito e o amor por todas as coisas vivas da Natureza é aquilo que te tornará aos seus olhos único, feliz e em paz para com o mundo.
-Pois, quem dera que Orgutt nos amasse assim também. - Concluiu um general cada vez mais incerto da importância da sua presença ali.












1 comentário:

  1. Ahhhh!!! Tão bom começo de dia!! Ler-te e descobrir mais um pouco do povo da montanha e ficar na expectativa da aliança com Ischtfall... Nunca desiludes!
    :))))))
    Que saudades da saga e de te ler, por aqui!!

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