quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 15









Nem sei como começou, mas sei porque acabou tantas vezes.
Somos arquitecturas destruídas e reconstruidas,
puras obras inacabadas, recomeçadas todos os dias.

Inês Dunas
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2017/09/a-va-gloria-de-invernar.html



Acidentalmente oportunista

Os dois homens abandonavam a Citaddel, voltando costas ao que poderia ter sido uma frutífera aliança e resignadamente sujeitavam-se à descida íngreme da encosta da montanha, ansiosos por voltarem aos seus cavalos.
O rei de Ischtfall liderava a descida, bastante concentrado onde colocava os pés enquanto que atrás dele o seu general tentava a mesma agilidade, mas os seus pés pisados e magoados do socalco rochoso não permitia acompanhar o seu novo líder com a mesma mestria.
Tantas eram as  perguntas que pairavam na cabeça de Rasmen, que o general tinha até vontade de agarrar as pernas do rei para que ele lhe explicasse todos os seus devaneios, os seus planos as suas intenções. Queria ouvir da boca dele o real motivo que o fizera dar cabo dos pés, numa caminhada insana, deixando o conforto do palácio de Ischtfall, para dedicar esse precioso tempo a uns bárbaros, pior...pensava ele ignorando mais uma fisgada de dor na planta do pé, perderam tempo com uns seres absolutamente desprezíveis, rudes e sem maneiras. Que poderia pensar o rei que iria obter ali.
Arfando e tentando se recompor assim que alcançou o rei, deu algum tempo para que ele montasse o seu cavalo e ganhando forças para o imitar, lamuriou-se:
-Meu bom rei, confesso que ainda não percebi a razão da nossa vinda aqui.
-Temo general que mesmo que lhe explicasse umas cem vezes o motivo, continuaria sem perceber. - Confidenciou Leopoldo II franzindo o sobrolho.
O general percebendo que tinha abusado ao colocar em causa o seu superior, apressou-se a esclarecer:
-Não julgue ser uma afronta à sua pessoa, majestade. Mas mesmo depois de ter conhecido a classe dominante deste povo da Montanha continuo sem perceber a utilidade dele em combate.
-Sim, continuou o general sem dar tempo ao rei de intervir, eu ouvi o seu plano e gostei do que ouvi, mas senhor qualquer um dos seus homens pode realizar uma tarefa daquelas. Até mesmo os Nobres o podem fazer, ocultando-se na floresta.
- Não, não podem. Nenhum homem poderá fazer a tarefa que tinha idealizado sem a magia do Povo da Montanha.
-Magia, senhor?
O rei puxou as rédeas do cavalo de forma a ficar a par com o seu general:
-Dizei-me a vossa impressão sobre o povo que acabamos de conhecer.
- A minha impressão? Creio que é exactamente igual à sua. Povo recolector, de fracas posses e fraco sustento, com mau gosto habitacional, sem grande armamento, sem cavalos, quase diria sem exército....
-Continuai. - Convidou o rei sorrindo
-Povo bárbaro, falso nómada, sem cultura militar ou disciplina de guerra.
Leopoldo II parecia deliciado com a descrição, porém segundos depois assumiu um semblante carregado e disparou, num tom de voz de preocupação:
-Meu caro general, acabou de me confirmar que esta aliança daria bons frutos.
-Não entendi, majestade.
-Nada do que ali viu corresponde à realidade. Durante anos este povo tornou-se hábil na arte de dissimular e mesmo apanhados de surpresa com a nossa visita, reagiram magnificamente.
O general estacou a montada, cessando o trote rigoroso que a mesma tinha até aí:
-Mas eu vi...
-Viu o quê, concretamente?
-A reunião, o casebre...
-Durante anos este povo escavou a Montanha na obtenção de pedra e na busca de metais preciosos. E durante anos construíram não só para esse efeito, túneis com corredores largos, esconderijos dissimulados no interior da montanha. Se por acaso voltássemos com um exército  neste mesmo momento, seriamos surpreendidos com uma Citaddel vazia. Teríamos de separar o exército para os procurar e garanto-lhe que as nossas baixas seriam numerosas.
O general permaneceu atónito com a descrição pormenorizada do que não vira:
-Miorr estava tão pouco à vontade como nós. Jamais escarraria no seu próprio "trono" e a força com que mastigava as Puncturas denotam esse mesmo nervosismo.
-Mas o outro sujeito...
-Não sei quem seja, mas algo me diz para termos cuidado com ele. Ele...Perde rapidamente a cabeça. Algo contra nós terá certamente!
-Majestade, falou em magia?
-Um exército. Eles conseguiriam esconder um exército inteiro na Floresta se preciso fosse. - Senteciou o rei, fingindo não ter ouvido a pergunta.
Os cavalos acabavam de descer a montanha, num trote calmo e contido como se estivessem em parada, quando gritos alertaram a atenção dos dois cavaleiros para algumas árvores na margem do rio Ischmorr. Inicialmente permaneceram estáticos como a tentar compreender a natureza dos gritos, mas por fim o jovem general empunhou a espada e dirigiu-se para o local seguido por Leopoldo II.
No chão, caído entre a parca vegetação rasteira um homem defendia-se como podia de dois agressores, cruzando os braços sobre a cara evitando, que as bastonadas dos seus agressores o atingissem na face, e entre gritos de súplica, pontapeava a atmosfera esperançado em atingir algum dos seus agressores:
-Basta! Que se passa aqui? - Interrompeu Leopoldo II
-Segui o vosso caminho cavalheiros. Nada tendes a fazer aqui! - Aconselhou o mais gordo dos agressores.
-Deixai que seja eu a decidir isso! - Leopoldo II usava um tom de voz agressivo
-Se prezardes a vossa vida, fazei o que aconselhei.
-Sabeis com quem falais?- Indagou Rasmen.
O mais alto dos agressores de aspecto tremendamente sujo, botas de montar gastas, colocou a mão no ombro do seu parceiro gordo, e aproximando-se dos dois cavaleiros interpelou num tom e voz ríspido:
-Muito bem já que pretendeis brincar com o fogo, cumpre-me avisar que a minha paciência acabou de se esgotar. Somos homens de Ischtfall com a missão real de castigar este pobre bandido de galinhas. Por isso segui o vosso caminho e não interrompeis uma missão real.
Leopoldo II riu num timbra alto e apeando-se retirou pacientemente a espada da bainha, empunhando-a com mestria, para de seguida descrever um V imaginário com a lamina e apontando a espada na direcção do seu interlocutor, ripostou:
-Creio que o bandido aqui sois vós. Não sei o que pretendeis desse pobre homem, mas atentai no meu ultimato. Deixai-o em paz e segui vosso caminho.
-Como ousa duvidar de uma ordem real? - Indagou o agressor gordo.
-Porque ele é o rei de Ischtfall idiotas! - Bradou o general.
Num ápice e antes que os agressores reagissem Leopoldo II fez girar a lâmina sobre o pescoço do agressor alto, Rasmen evitou a estocada do pau que o agressor gordo lhe endereçava e contra atacou com um golpe perfurante no coração , espetando a ponta num movimento recto. De seguida, rodou sobre os calcanhares e deixou o seu adversário cair de joelhos no solo.
O terceiro agressor, vendo-se em desvantagem preparava-se para fugir quando o agredido o agarrou pelas pernas:
-Não o deixeis fugir. O meu tesouro está com ele!
-Ah bandido que de mim não escapas.
Rasmen pretendia encetar uma perseguição, mas a vertente rochosa da montanha deixara sequelas graves nos pés, pelo que montou o cavalo e o perseguiu, voltando minutos depois com o fugitivo deitado ferido, sobre o dorso da montada.
O rei aproximou-se do moribundo, tentando obter alguma explicação, mas o homem que ainda permanecia deitado, apressou-se a esclarecer:
-Salteadores majestade. Eu devia ter cuidado, mas fui imprudente ao mostrar as minhas moedas em Samerti, enquanto comia um pedaço de porco.
Leopoldo II aguardou uns segundos junto da montada do general e  dando ordem para atar o agressor ferido a uma árvore, ajudou o homem que havia sido atacado a erguer-se e a recompor-se.
-Deixai os três bem amarrados e amordaçados. Com sorte os animais darão conta deles. Estou farto de ter salteadores no meu reino.
Assegurando-se que o forasteiro não se encontrava ferido de morte o general devolveu-lhe uma pequena bolsa de couro, quando Leopoldo II convidou:
-Deixemos este local, antes que mais surpresas surjam.
Os três homens caminharam até à clareira na base da montanha e por fim, o desconhecido numa posse teatral e bastante formal ajoelhou-se:
-Rei de Ischtfall, senhor do Oeste de Arkhan, devo-lhe a minha vida!
-Erguei-vos. Nada fiz de tão extraordinário e tive ajuda do meu general!
O homem lançou um longo olhar de agradecimento na direcção do general:
-Quem sois vós?
-O meu nome é Gambrinus meu senhor e creio que foram os Deuses a lançar-me no vosso caminho.
-Como assim? - Indagou Leopoldo II desconfiado.
-Venho de Orgutt, que visitei enquanto frade da Esperança e cuidava procurar o bom rei de Ischtfall, para vos comunicar que a guerra chegará este mês.
-Estou ciente disso! - Disse o rei enquanto estudava o forasteiro.
-O Senhor da Guerra já foi convocado, mas ainda há uma réstia de esperança!
-Como assim?
-O príncipe de Orgutt, um miúdo mimado, pretende o trono de seu pai e vai consegui-lo. A menos que Ischtfall intercedesse num dos lados da questão.
Leopoldo II sacudiu a cabeça, como que discordando mas sem nada proferir, montou a cavalo, convidando:
-Acompanhai-nos até ao reino. São informações demasiado importantes para falarmos aqui!
Gambrinus assoou o nariz à manga do hábito e aceitando a boleia do general, montou com ele e seguiram os três para o reino.
A alguns metros dali, na montanha ,escondidos atrás de uma rocha, com uma boa visibilidade para a clareira os dois guerreiros da Tribo viram o forasteiro se ajoelhar diante do rei, viram os três homens a falar como se fossem grandes conhecidos e quando os três rumaram a Ischtfall Saemon confidenciou a Arnacles:
-Conheço aquele sujeito. Na caçada do mês passado até território de Orgutt, passou por nós a cavalo com os guardas reais de Orgutt.
-Que dizeis? Um espião?
Saemon sacudiu as palmas das mãos, tocou no ombro do seu fiel companheiro e sentenciou:
-Só pode! Uma vez mais Ischtfall nos iria trair. Temos de avisar a Tribo.
-Sim , Miorr precisa de saber.
-Fiel Arnacles, vamos ter guerra!









1 comentário:

  1. Ui, eis que a raposa surge da toca, matreira e sagaz como são sempre as raposas... Venha o próximo!!!!

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