quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Lápide - capitulo 1






O cavalo soltou o trote do meu peito,
desfeito pela dor e agora corre e morre em liberdade
a saudade sobrevalorizada,  não me traz absolutamente nada!

Lápide - Inês Dunas


JUST BREED!!


A vida ás vezes é um lugar estranho, um sítio inacabado, imperfeito, imoral, insano, inconsistente, material difuso de uma entidade cósmica com complexo de superioridade.
Uma ópera sem fim, com altas  notas de estilhaçar vidros da alma, da minha, da nossa ou da vossa alma, no momento mais inesperado.
Seria como se orgasmo viesse antes do prazer ou um coitus interruptos que nunca chegou a ser elevação, tentação, depravação...apenas deserto, desperto, inconsequente.
Que se rasgue a carne, se esbanja o sangue Dantescamente salpicando os dias de vida perdidos em afazeres inúteis, em horas tortas e semi-rectas de vontades alheias, adagas que espetam sem corte, só perfurando , como nos lembrando da nossa condição mortal, da nossa fragilidade e respirando vamos!
Gostava de ser o todo nada, um big nothing , uma cuspidela ao sabor do vento e ter tudo. Não ser nada e ter tudo....Deveria pedir para escrever isto na minha lápide....Não foi nada, mas teve tudo.
Antes fosse assim, na verdade fui muita coisa, papeis principais e secundários que me caíram aos pés em ritmo galopante, num tom de imposição severa, como se me escolhessem para papeis que sabiam de antemão que falharia. Me escolheram num casting endiabrado, me deram o papel e a tribuna composta de advogados morais e peritos da ética e bons costumes na sua coscuvilhice, insanamente batendo palmas quando falho ou sorrindo ao de leve ante as inúmeras tentativas falhadas.
Circo da vida de tenda menor erguida, trapezista num solo sem rede, teatro menor de monólogos fechados, falhados, sem convicção ou ponderação. Palhaços de Deus e o diabo a quatro na loucura montado...Just Breed!
Sabes, não tenho pena de não te ter, não tenho pena que tivesses escolhido abalar nessa fria noite em que nada foi dito, mas tudo foi sentido, nesse cinzento pálido amargurado como o Destino, que o silêncio se abateu, como noutros dias...Tantos, imensos. Dias frios de ti e de tudo o que nos saía pela boca, como peixes abrindo e fechando a boca e nunca morrendo afogados.
Nunca te disse que te queria, que te amava ou que te pertencia. Nunca desenrolei um papiro melancólico de amor na epopeia de nossas vidas, talvez por no fundo sentir ou saber que não sendo o teu Alfa o Pendular do destino não faria de mim destino, mas apenas apeadeiro. Porteiro de um edifício em chamas, cujo incêndio não apagaria no meu sopro. Just Breed!
Pode um prédio aparentemente robusto cair? Assim de repente, sem aviso prévio. Só balanço e balanço e zás, cai com estrondo ao som de trompetes, na ausência de afago ou beijo dado? Pode e basta só um olhar, um Adeus, um....Mais que um, vários sinais que nunca foram percebidos ou entendidos e o prédio da nossa relação cai. Foram o quê? Seis Anos, dois, quatro, dois séculos de vida, uma semana? Não sei, o desconforto e a angústia não se medem aos palmos e na aritmética da dor e do desespero um mais um é igual três, quatro, cinco ou a um. Apenas um de queixo cabisbaixo e sabor de fracasso na língua com laivos de sal do mar de prata das lágrimas que a custo nunca verti, pelo menos não na tua frente.Nunca dei uma de forte, mas também nunca mostrei a fraqueza que os teus silêncios me moldam. Quadro de Edvard Munch no chão da sala ensaiado, depois que teus passos se afastam.
Quem sou eu agora? Sou fantasma de passado ignorado neste presente, neste justo momento em que os teus braços escolheram os ombros e o peito de outrem. A prova ainda viva que o unidos até que a morte os separe só resulta se um dos dois morrer instantaneamente nos segundos seguintes, senão vira cliché, algo que se diz da boca para fora só porque parece bem, só porque soa bem e o som nunca será uma parada militar aos tiros de pólvora seca, mas um cortejo fúnebre entrecortado por notas musicais de Bach, num piano desafinado de cauda longa onde ninguém chora e todos circulam na sua rotina , indiferentes aos cadáveres que jazem mortos a tiro de língua por uma traição anónima.
E todos os afagos que nunca me foram negados, todas as noites em que o meu corpo reclamava e ansiava interromper as horas do teu sono. em que os meus dedos te procuravam, tacteando no lençol do nosso conforto, mesmo aquelas vezes em que ainda a dormir procurava o teu calor, guiado pelo prumo carregado de vida e prazer, que se erguia para uma intrusão nocturna, abrindo caminho a teus gemidos sussurrantes na escuridão de nós perdidos. Mesmo nessas alturas em que jurava a pés juntos ter sentido um sorrido quando afinal era um bocejo...Mesmo aí, não era eu quem te ocupava a mente e te beijava o coração palpitante. Eu era apenas rotina, devaneio, chatice, obediência ou um que se dane, despacha lá isso que quero voltar a sonhar com outro corpo, outro peito, outro homem.
Sémen despachado entre falsos afagos e sonhos vagos. Réstia de humanidade e humidades perdidas em vão, com ou sem tesão, mas em vão.
Lembras-te daquela vez, nas escadas do prédio dos teus pais. Moços e tolos que éramos, o prazer do proibido, do afago em sítio público, da possível existência de olhares reprovadores escondidos num recanto escuro qualquer daquela imensa escadaria de madeira. E como rangia o velho soalho de madeira e como gemia este teu velho companheiro, ávido de te completar no sítio certo do ângulo obtido pela mestria das tuas pernas...Uma, duas três, nova posição após movimento circular de pé esquerdo, encaixe titânico, fundo e profundo no ruído secreto de beijos e encorajamentos em forma de frases bem proferidos e no entanto mal ouvidos. Orquestra sinfónica com alta Tuba e ritmos certos,...O jorro, a surpresa, as gotas quentes que morreram  na tua saia, marcando-te de um branco profundo e profano, nódoas que poderiam ser marcadas como evidência da nossa inocência, ou do fim dela.
Sim eu sei, ultimamente já não havia orquestra, nem invasões nocturnas, nem tesões espontâneas, nem lábios quentes, nem clitóris saliente, apenas corpo e língua dormentes em colchão a teu lado deitado, pouco habitado já desabituado.
Se foi bom? Foi, enquanto durou. Aqueles manuais de "como manter a chama" comprados às escondidas, enfiados com ansiedade na minha mala de pele, resistindo à tentação de os retirar em pleno comboio para os desfolhear avidamente, como quem procura a receita para um bolo de última hora, que para nada servira, que nada de útil trouxeram à nossa vida, à nossa intimidade, à nossa cama.
Executivo em hora de ponta que nada executa na noite, sem ponta e mola a teu lado deitado, dormindo, esquecendo, desaparecendo num recuo de pele , indiferente aos dias e anos que passam.
E tudo o que me deixaste, foram duas folhas A4 manuscritas sem lágrimas, na mesa de cozinha. Folhas que me esperavam, como um carrasco sorri para o condenado...Já foste!
Pois então que vás, que te organizes, que sejas feliz, até que o diabo vos separe ou a morte violenta vos condene, ou...Não. Não te desejo mal, a sério que não! Talvez isto seja mais um papel que me caiu no colo, talvez o argumentista da vida de nós mortais, seja sádico ou tenha tido uma momentânea indisposição e isto não seja um ponto final, mas três pontos pequenos, seguidos e no entanto curtos o suficiente para eu perceber que um dia não estarias cá.
Merda, antes tivesses morrido! Não....Tu não, eu. Tu és mulher, foste mãe, foste companheira e serás companhia de mais, lá estou eu a ter a raiva latente, como digo tu vive anos e se isto for um ponto final, saberás um dia por SMS de algum conhecido que nesse dia eu estava na linha e o comboio não parou.
Este não é o meu fim, pode ser o nosso ou quem sabe o teu mas não será o meu!
Para teres a certeza do que falo,rasgo agora estas míseras palavras de Molin azul preenchidas, deito-as ao lixo, ao ex-nosso caixote do lixo. Não preciso de livro de condolências tuas, apenas necessito neste momento do meu Chivas Regal de 18 anos dados pelo meu patrão após doze anos de serviço ( sim, esse é grato e nunca partilhou a cama comigo, graças a deus), a mesma garrafa que tínhamos jurado abrir quando o Miguel chegasse de Paris, do Erasmus e que agora será a minha companhia esta noite.
Quanto a ti , minha ex-cara metade me despeço de bandeira a meia-haste, que os cinco dedos se encarregarão de a erguer convenientemente para uma última salva em tua homenagem.
Na verdade, sou Mário tenho a porra de quarenta e seis anos, três filhos na vida deles enfiados e dois pares de cornos de um ano trabalhados.
Agora estreio uma condição nova, divorciado ou DIV. como constava nos bilhetes de identidade anteriores.
Como se pode recomeçar uma vida com atrelados de um passado recente atrás?






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