quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Lápide- Capítulo 7



E eu ajudei-te, queria fugir dali,
mas fiquei a ver-te espaçar o respirar até ao silêncio ensurdecedor
levar-te de mim...
Assim num segundo em que (de)terminou tudo.

Porque Amar também é saber deixar partir...

http://librisscriptaest.blogspot.pt/2017/11/partir-e-morrer-um-pouco.html



IGNOBIL LEONOR


A vida é um crochet de memórias, fantasmas de um passado mastigado, ruminado na boca de uma vaca e expelidos com um peido, um sonoro peido em plena multidão.
Há cheiros. multidões, pessoas com ar de carneiro mal-morto que nos olham de soslaio, desaprovando este novo meio de estar em sociedade.
A fúria de um sonoro peido, largado como não sei o quê que me saiu e do qual não me arrependo, assemelha-se a um espirro em momentos de cólera ou gripe. Um breve e saudoso espirro, sem cotovelo a aparar. Sem sequer pensar em quem está ao lado. Pois que se danem, que morram!
Falo de boca cheia, após ter vindo do gelo exterior e de constatar que a minha conta bancária é apenas uma metade. Uma metade de nada e no entanto, uma metade que vale quatro mil e seiscentos euros. Ah, as loucuras que eu poderia ter feito com aproximadamente dezasseis mil euros na conta. Fosse eu outro tipo de homem e pouco me lixaria para a tua regra de estar prevenido que os filhos poderiam precisar , quem sabe até casarem e a figura que depois faríamos ao entregar um cheque chorudo aos noivos. Que diabo, quando casei contigo, quando assinei este pacto de auto-destruição o meu pai nada me deu, a não ser um conselho de como satisfazer uma virgem na cama. Por falar nisso será que eras mesmo virgem? Recordo-me agora que não sangraste ou será que sangraste? Não sei. Sei que abandonei o preservativo exactamente cinco minutos depois de o tentar colocar e de tu me assegurares que não iríamos precisar, que agora que já éramos casados já não era pecado. Compreendo....Agora que deus nosso senhor disse que já éramos casados já podemos tudo, até quem sabe anal selvagem. Viva deus nosso senhor!!!
E do alto da nossa pequena fortuna, amealhada com massa de frango semanas a fio, disseste do alto da tua sabedoria :"Ó homem, coloca tudo num PPR ou a prazo!", Mas não,  porca Leonor  de voz esganiçada, não o fiz e sabes o que te disse entre dentes sem tu ouvires? " Coloco o caralho!" Como se tu não soubesses da crise que percorre os mercados neste momento em que as taxas mais simpáticas de juro andam no um por cento bruto. Que podes saber tu, ignóbil Leonor de taxas de juro? Que podes saber tu da vida, sempre a retoque dos cheque que trazia para casa, ou da mesada do teu pai que te continuava a enviar secretamente. Sim, julgas que não sei dos envelopes que te entregava amiúde, como se eu fosse um traste de um empecilho que não te desse de comer ou que zelasse pelas vacinas dos putos e médicos e o catano... Ah, mas e se o o teu pai soubesse que abrias os envelopes na casa de banho, com a água quente a correr ( que era eu que a pagava!), para os espetares na tua Igreja de coração de Cristo, ou lá o que era que o pároco ( não, nessa seita do caraças eles têm outro nome...Bispo? Não sei, nunca prestei atenção) todas as sextas te visitava entre chá de menta e torradas ávido pela pequena contribuição para a causa comum.
Podes por favor, tonta Leonor avisar o teu paizinho que a merda dos cheques que te passava dos quais apenas via envelopes rasgados no balde do lixo por baixo do lavatório não foram utilizados na nossa causa comum, mas nos bolsos de um pároco qualquer! Por falar nisso, será que se eu abandonar a Igreja, por justa causa devido incumprimento dos teus votos matrimoniais no altar serei  ressarcido de metade de qualquer coisa?
Tomei um duche quente, bem sabes o que eu faço no duche...Começo na cabeça, com o belo shampoo que a tua amiga farmacêutica recomendou para a minha calvice, desço para os ombros e peito com aquele gel de banho de fragrâncias do bosque ( seja lá isso o que for) que me solicitaste vezes sem conta que o comprasse, ensaboo bem em movimentos circulares e passo a água do chuveiro, repetindo a operação nas costas. para a cara, sovacos e partes baixas uso o sabonete Palmolive  ( já que sou o único em casa que o usa, recorro à combinação mais pacífica...Pénis, cú , sovacos  e cara) e presto atenção aos pés ( sabias que 98 por cento dos homens não lava os pés no duche? Provavelmente o orangotango que te levou não se lava assim...) e cheiroso, quente e lavado regresso à cama, ao corpo sonolento da Maria a quem castigarei por ter ido a correr ao multibanco. Parece que de facto a Maria é bálsamo para os meus pecados.
Maria doce Maria de mamilos empinados como a torre Eiffel, sobranceira dama que dorme na minha cama no teu ex-lugar de culto, prostração e devoção a anos de ócio a que alguém chamou matrimónio. Maria, nua Maria em meus braços acarinhada, em minha boca saciada e nos meus lençóis encharcada. Monto-te pela sexta vez esta noite, indiferente a qualquer queixume da tua parte. Despertaste o meu "animal" escondido, aprisionado anos a fio no bolor da circunstância, da indiferença, da falta de vontade da pouca tesão.
Quem me dera que tudo agora fosse diferente. Que tivesse menos dez anos para usufruir do teu corpo com a referência que tal calor me permite. Quem me dera não ter perdido uma vida aprisionado a um emprego enfadonho, a um matrimónio cada vez mais rotineiro e previsível e a uma só vagina que já não palpitava quando a tocava, nem chorava em lágrimas de mel quando te penetrava. Afinal aquilo seria coisa de minutos...
Os filhos, as cólicas desesperadas, as noites acordadas, o biberom noite após noite em pijama no frio da cozinha a altas horas da madrugada e tudo para quê? Para os ver partirem para a sua vidinha, perdidos nos seus sonhos de futuro? Para te ver melancólica a preparar um jantar de fim de semana só para nós dois. Uma refeição sem pimenta, sem sabor, sem aventura, sem paladar.
Mordo obstinadamente o mamilo esquerdo dela e constato querida ex-esposa que nada sei dela. Não sei se este mamilo deu de mamar a alguma criança, não sei se esta barriga carregou qualquer diabo durante nove meses e muito menos sei se esta vagina teve penetrações regulares, talvez secretas recheadas de aventuras ou se só dos dedos a visitaram em noites de tédio.
Quem és tu Maria que nem o teu apelido sei. Que anjo louco te atirou para a minha frente? Seria Destino esta loucura de usufruir de um corpo a meu belo prazer sem remorso, sem o constrangimento do dia seguinte? De que paraíso desconhecido vieste tu?
De repente tu abriste os dois olhos, apanhada de surpresa pela ejaculação suprema e instantânea de lava quente que te cobriu a barriga e num movimento redutor abriste um enorme sorriso, lançando os teus finos braços ao meu pescoço como se o que acabasse de fazer fosse de certa forma um tributo à tua pessoa, a nós e a esta noite. Como se secretamente visses nesta minha loucura actual o teu caminho, o nosso caminho, a estrada de metal que nos guiará doravante na nossa inquietude de  não nos ralarmos com nada.
E de repente fiquei a pensar isso mesmo. Não me ralarei doravante com absolutamente nada! A vida é curta demais para a usufruirmos na sua plenitude. A vida é curta demais para perdermos tempo com máscaras, empregos, a vida dos outros e outros torresmos que nos dão a mastigar na pausa robótica da monotonia perversa desta coisa intragável chamada sociedade.
Olho o rosto dela, uma última vez de relance, deleitada na cama que outrora deixava para ela fazer, sento-me no peito dela e dou-lhe a provar o meu "toco de vela", o pedaço que carne que se esvaiu no ventre abençoado por mim, numa prova de degustação instantânea antes de me quedar morto de cansaço e finalmente sentindo os olhos a rebentarem de sono.
Remeti a minha mente para um último suspiro, um último pensamento de forma a matar aquele estranho momento:
Porque nunca tive um cão? Merda, tenho mesmo de ter um cão...









1 comentário:

  1. ponto nº1: Adorei a foto do capítulo!
    ponto nº2: A serio que a maioria dos homens não lava os pés?... Eca...
    ponto nº3: Estou a adorar isto!

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